quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Mr and Mr Smith


Nos últimos casamentos em que estive presente as noivas iam lindas e radiosas, felizes por unir os respectivos destinos ao amor das suas vidas. E isso faz-me pensar porque motivo não podem sentir tal satisfação aqueles que amam alguém com quem partilham cromossomas. Que se opõe a isso?
Bem, desde logo, o Código Civil. Mas o Código Civil não é um dogma. É meramente uma lei que se deve adequar aos padrões da sociedade. Que sociedade? Esta, na qual vivemos, onde o senhor A vive com o senhor B e se amam e gostariam de formar uma família (leia-se, “adoptar uma criança”), porque a homossexualidade não se transmite por osmose e, mesmo que assim fosse, também não vejo que assim viesse mal ao mundo. Afinal, estamos meramente a falar de uma orientação sexual e não de uma tendência homicida.
É que aquilo que a lei diz não é lei. Ou melhor, só o é enquanto assim o quisermos. E penso que estou relativamente à vontade para “desendeusar” a lei porque, afinal, trabalho com ela. Se ao longo da história nos tivéssemos bastado com aquilo que as “sábias palavras da lei” estipulam ainda hoje faríamos sacrifícios humanos, queimaríamos na fogueira as mulheres de cabelo vermelho e teríamos cada um o seu escravo pessoal (e olhem que nem me oponho a esta ideia supondo que estamos a falar de um senhor alto, forte e espadaúdo, que me assistisse em todo o tipo de necessidades). O que foi a abolição da escravatura senão o reconhecimento de que as leis que dominaram a nossa existência durante centenas de anos afinal estavam erradas e que os negros, se calhar, até tinham a mesma dignidade que nós?
Não a terão também os homossexuais? Não terão o direito de afirmar pública e solenemente quem são e quem amam? Ou podem sê-lo e fazê-lo, desde que seja às escondidas?
Até digo mais, sobretudo para aqueles que sentem enjoos e suares com a mera ideia de sexo entre duas pessoas do mesmo… lá está… sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Repito a palavra porque em regra essas mesmas pessoas mal a conseguem dizer. Como se fosse um daqueles palavrões que dão castigo na escola. Mas, dizia eu, que até quero dizer mais. E vou dizê-lo: se a homossexualidade vos causa assim tanta repulsa, que pior castigo se pode desejar aos homossexuais senão o de partilhar todos os dias, cada minuto do dia, a existência com uma mesma pessoa, a quem “supostamente” (talvez melhor, “utopicamente”) deverão ser fiéis, e acompanhar na alegria e na tristeza, até que a morte os separe. Ou até que sobrevenha um divórcio. Já pensaram bem o terrível castigo que os homossexuais não vão sofrer com o casamento e depois, se tudo correr bem (se correr mal, têm que se aturar um ao outro) com o divórcio? Pior ainda, o leque de advogados que vêm anexados a um divórcios??? De modo que, para quem não gosta de homossexuais, abrir-lhes a porta do casamento é, de facto, o melhor “presente”, envenenado, claro está, que lhe podem dar.
Deixando o sarcasmo de lado – faço notar que eu até sou uma crente no casamento, quiçá mesmo a última das moicanas do casamento – gostaria que ponderássemos sobre o verdadeiro motivo pelo qual nos opomos ao casamento entre pessoas do mesmo. E a única conclusão a que chego é esta: uma ideia pré-concebida, e hoje já bem ultrapassada, sobre aquilo que é o casamento.
Dizem-me os meus colegas, ilustres juristas por sinal, que o casamento é, segundo a ordem natural das coisas, uma união entre pessoas de sexo diferente. Ora, parece-me a mim que o que eles querem dizer é que o casamento foi, segundo o ensinamento da História, uma união com esses traços. Mas a História dita o que foi, não o que será. É que nos impusesse, inelutavelmente, o rumar dos acontecimentos, ainda hoje eu seria uma fada do lar, à espera que o meu marido, ganha pão da casa, chegasse do trabalho e me desse uma valente sova para mostrar quem é o chefe da família. E ai de mim que me atravesse a deixar o lar matrimonial (lar este onde me caberia o débito conjugal, ou seja, e literalmente, pagar com o corpo as “alegrias” que ele me desse) porque a policia podia ir buscar-me à força para me entregar ao meu legitimo proprietário. Aquilo que o casamento foi já não o é hoje porque ele é, afinal, um instituo em evolução.
E nem se diga que os homossexuais podem casar, mas não uns com os outros. Este tipo de argumento é tão básico e vazio quanto aquele outro, hoje judicialmente condenado, de que as mulheres não são discriminadas no trabalho por estarem grávidas, uma vez que as normas laborais se aplicam a todas as pessoas grávidas, homens ou mulheres. Por favor, dêem-nos algum crédito de inteligência…
Eu, pessoalmente, adoro lésbicas. Cada lésbica que existe é menos uma mulher em competição na busca da minha meia laranja. Já os homens gays… não, não posso concordar. Irrita-me profundamente que fiquem com os melhores da espécie. Inveja? Sim, caramba. E desapontamento porque em regra são homens lindos, limpinhos, cultos, com corpos de ginásio, com gosto pelas compras. Simplesmente, preferem olhar para os meus sapatos do que para as minhas pernas. E depois babam-se com as pernas do tipo da frente. Os bi’s, esses, são piores ainda. Porque são garganeiros, querem tudo. E eu??? Alguém pensa na pobre menina solteira??? Deixem pelo menos um homem apresentável para mim!
Aparte essa salvaguarda, casem e sejam felizes.

domingo, 27 de dezembro de 2009

A importância de um segundo



As palavras, as acções, as omissões, tudo isso tem um tempo. Há um momento certo para cada coisa. Se chegarem demasiado cedo chegam fora do tempo. Se chagarem demasiado tarde chegam fora do tempo também.
Eu, que sou apressada devido à minha carga genética, peco sempre pela antecipação. Diga as coisas quando ninguém ainda as espera. Uso os sapatos quando ninguém nunca os viu. Corto o cabelo antes de alguém o ter sonhado assim. Vivo antes do tempo talvez. Como se o mundo ainda não estivesse preparado para mim. Eu, pelo menos, gosto de pensar que é assim. Mas talvez seja ao contrário, e admito até que seja eu a não estar preparada para o mundo. E decido tudo no tempo que tarda o bater de asas de uma borboleta. Sem indecisões. Sem meios-termos. Posso até dizer que mais dilemas me suscita comprar um casaco do que decidir a minha vida durante 20 anos.
Em contrapartida, os outros chegam sempre demasiado tarde para mim. Sobretudo as palavras. As palavras dos outros tocam nos meus ouvidos quando a cabeça e o coração já desistiram delas. É como se dissessem as coisas quando para mim deixaram de ser importantes. E por isso são apenas sons que ficam ali, no ar, a pairar. E que aborrecida eu fico por já não lhes poder dar sentido. A sério que as querias utilizar. Fazer delas poesia. Magia. Mas sou inepta no que toca ao aproveitamento daquilo que era mas já não é. Os resquícios do que podia ter sido.
Acontece-me muito com gestos e palavras. Porque eu sei imediatamente quando gosto de alguém. E não temo em dize-lo. Sabe-se lá quando é que vou cair fulminada no chão por um raio ou por um telhado, e parto daqui sem dizer às pessoas o importantes que foram para mim e o quanto gostei delas. O mesmo vale para quando não gosto. Há quem o guarde para si e o moa e remoa dentro das vísceras, sem nunca o contar a ninguém ou então partilhe aquela raiva passados anos, décadas mesmo. Eu não. Anatomicamente tenho a boca desmesuradamente grande e por isso sinto alguma dificuldade em prender as palavras dentro dela. Por vezes arrependo-me, confesso que sim. Tantas vezes disse o que não sentia de verdade, mas cuspi aquelas frases como se me queimassem a língua. E imediatamente depois desejava eu voltá-las a sentir a queimar. Demasiado tarde.
Dizem que o ponto óptimo é sempre o equilíbrio. Nem tarde nem cedo. No tempo certo. Mas eu também nunca garanti que era equilibrada. Por isso vivo neste anseio de ouvir aquilo que chega sempre demasiado tarde. E depois, quando finalmente chega, já não sei o que lhe hei-de fazer. E arrasto comigo, no um baú de recordações, a memória de todas essas palavras e sentimentos que empurrei lá o lixo das sensações e dos sentimentos. Se alguém em puder explicar como os poderia reciclar ficaria muito agradecida