domingo, 31 de janeiro de 2010

Porque os corações batem em todas as criaturas do planeta


Uma das minhas primeiras nannys foi a gata que acompanhou a minha mãe durante toda a gravidez, e que depois acompanhou os meus primeiros anos de vida, naquela forma pachorrenta, doce, mas quase arrogante, que caracteriza os felinos.
A este miau muitos outros se seguiram até ao meu último companheiro de jornada, um Gabriel que nasceu gato e não anjo, mas que para mim, naquela noite em que me foi entregue pelo “tio” Paulo numa caixa de cartão, foi um anjo salvador. Pelo meio apareceram no meu caminho dezenas de gatos e gatinhos, vários cachorros (o Vladimir teve até direito a uma dedicatória na tese, que circula por aí dando-o a conhecer ao mundo), uma hasmterina , de nome Catarina Eufémia, que se alimentava de variadas sementes, mas especialmente das pontas dos meus dedos; um Martin Luther King canarinho, que fazias as delicias dos gatos da casa na altura; e um coelho anão, que morreu brutalmente assassinado pelo gato do padeiro, fazendo assim jus, com o seu destino trágico, ao nome com o baptizei: Oscar Wilde. Resta dizer que o Gabriel vive neste momento com os “avós”, porque gosto demasiado dele para o ter todo o dia fechado no meu pequeno T2, para qual só volto noite cerrada, e que cada vez que falo com a minha mãe ao telefone me conta ela todas as gracinhas e aventuras do meu filhote gato.
Esta abreviadíssima biografia serve para ilustrar o papel que os bichos sempre desempenharam na minha vida. Lá em casa faziam parte da família, e assim cresci habituando-me a respeitá-los e a amá-los.
A ligação sentimental que tenho com a bicharada é, pois, do maior, apreço e carinho. Gosto deles como se gosta daquele amigo que está sempre ali, e não arreda pé por muito que o ignoremos.
Não quer isto dizer que à luz de uma apreciação jurídica defenda que os animais são pessoas e, como tal, titulares de direitos. Não me repugna quem sustente tal posição (aliás, acho estimulantes as leituras de Peter Singer) mas, simplesmente, não é a minha. Ou melhor, por enquanto, não é a minha.
Todavia, e aqui reside o problema, tão-pouco são coisas. Partir uma pata a um animal está longe de ser equivalente a partir a perna de uma mesa, e quem defenda que o não é, aí sim, já me repugna a ponto de me dar voltas ao estômago.
As insuficiências com que o direito se depara no momento de enquadrar juridicamente os animais derivam da escassez de conceitos com que operamos: tudo é “pessoa” ou “coisa”, e fora deste binómio nada mais existe. Ora, creio eu que no meio existem muitas variantes, nomeadamente variadíssimos tipos de tertius genus, que não sendo pessoa, merecem porém um respeito e uma protecção acrescidos.
Não significa isto que tenhamos que ser todos vegetarianos. Eu fui-o durante 7 ou 8 anos, mas a páginas tantas comecei a sentir-me demasiado infeliz com a ausência de uma pata de peru no meu prato. Hoje como carne e peixe, uso sapatos e casacos de pele, e já várias vezes sentei o meu rabiosque num sofá de pele também. Provavelmente isto faz de mim uma má pessoa, e estou a tentar abdicar destes “caprichos” utilizando apenas peles sintéticas Mas – e este é um importantíssimo “mas” – sou absolutamente incapaz de matar ou torturar um animal pelo simples e puro prazer que daí se possa retirar, mas que de todo me escapa . De modo que touradas, lutas de cães, utilização de animais na industria cosmética, atropelamentos como desporto, defendo eu que tudo isso deveria ser sancionado, alguns mesmo criminalmente.
Era eu uma jovem académica “inconciente” quando fui convidada para uma conferência sobre os supostos direitos dos animais. E aquilo que disse na altura (e que deixei escrito em alguma diskete perdida no tempo neste mundo de PC’s sem disketes) mantenho-o agora: só as pessoas têm direitos, mas as não pessoas podem estar protegidas de diversos modos. Aliás, isto mesmo defendo eu para os embriões e fetos. Recordo-me até de uma célebre conferencia de direito médico na América Latina, onde me coube falar de logo após um almoço demorado numa tarde quente, e para acordar a audiência estas foram as minhas primeiras palavras: “Os embriões são como os cães”. Escusado será dizer que quase fui apedrejada como uma Maria Madalena. Mas a verdade é esta: nem uns nem outros são pessoas, logo não t~e, direitos, mas merecem uma protecção jurídica não muito distante da nossa.
No caso dos animais, sendo eles criaturas que partilham connosco o espaço planetário e, mais do que isso, as nossas vidas, as alegrias e tristezas (as solidões, as ausências, as perdas), creio que é o nosso próprio estatuto de pessoas dotadas de dignidade humana que nos impõe um comportamento digno para com os animais. É que isto de ser pessoa humana não nos atribui apenas direitos, mas igualmente obrigações. Uma delas é a de tratar com respeito as outras criaturas, não as matar de forma arbitrária e com sofrimento e, na medida do possível enriquecer a sua existência tal como elas enriquecem a nossa. Quando assim não sucede, quando matamos com prazer e nos regozijamos com a dor (recordo-me de alguém que me falava do prazer intelectual que as touradas lhe proporcionavam ao ver o touro a escorrer sangue da boca, o que me demonstra que obviamente nunca encontrou outras formas de satisfação do espírito tal como ler ou livro ou jogar xadrez), degradamo-nos nós mesmos ao estatuto de bestas e, por conseguinte, deixamos de ser dignos da dignidade. A bestialidade é incompatível com a dignidade e com o reconhecimento de direitos.
Podia continuar a encher páginas com divagações jurídico-filosóficas sobre o estatuto ético e jurídico dos animais. Mas a verdade é que as milhentas palavras que possa escrever ficarão sempre aquém do olhos do meu gato quando me vê, me lambe as mãos e ronrona suavemente acariciando-me as pernas.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Crónica de um desamigamento anunciado



As minhas relações de amizade foram sempre atribuladas. Porque eu sou atribulada. De modo que ao longo destes anos já atropelei emocionalmente uma série de amigos meus (não falando dos pseudo e dos meros conhecidos), umas vezes imbuída de razão, outras apenas imbuída de mim mesma e do meu ego.
Recordo o dia em que dizimei a uma boa amiga por ter publicado sem autorização fotos minhas no Hi5, e passo agora os olhos pelas 34587 fotos que anos mais tarde eu própria meti a circular nas minhas páginas pessoais. Também me aborreci com a que criticou a minha decisão de comer com chapéu (e continuo a achar que é uma das prerrogativas de ser senhorita) e com aquela outra que trocou as confidências que desde a infância trocava comigo pela intimidade do tete a tete com o namorado.
Admito: sou hiper-mega mimada. E sou muitas outras coisas mais. Felizmente, quis o cosmos - ou a senhora que manda nisto tudo (estou convencida que é uma senhora) – que me calhasse nesta lotaria que todos jogamos quando nascemos o pacote dos melhores amigos do mundo. Que não me amam pelo que sou, mas sim apesar do que sou. É que fossemos nós perfeitos os amigos não nos faltariam. O que torna o feito notável são precisamente as nossas imperfeições.
Os amigos, em contrapartida, são praticamente perfeitos. O “praticamernte” resulta de nano-micro lacunas que por vezes descubro num ou nutro. Mas são quase sempre tão minúsculas que é manifesta a sua incapacidade para alterar a admiração, o respeito, o carinho, que sinto por eles.
Depois… há o resto.
O resto são aquelas falhas do tamanho da Falha de Santo André, também elas causa de brutais tremores de terra na minha cabeça. Passamos anos a alimentar uma certa imagem da pessoa, como sendo cor-de-rosa e sabendo a algodão doce, e depois subitamente no minuto passado descobrimos que afinal a sua alma é baça e sem cor, e o seu sabor aproxima-se do de ovos podres com pão bolorento.
E quando isto sucede temos dois momentos de pânico. Primeiro, apodera-se de nós aquela desilusão só sentida quando pegamos num cartão de crédito que já ultrapassou o limite ou quando chegamos à sapataria depois de terem vendido o nosso número. Uma dor imensa, portanto. Depois, somos assaltados pela dúvida, mais metódica do que a própria dúvida cartesiana: “será isto suficiente para deixarmos de ser amigos?”. Aliás, reformulo, porque mais angustiante ainda é quanto esta interrogação assume a fórmula dramática de “será que ainda podemos ser amigos depois disto?”. É que há ao lado das pequenas coisas que rapidamente esquecemos, há coisas maiores que nos fazem meditar, e coisas verdadeiramente gigantes que demonstram o erro que foi trazer aquela pessoa para a nossa vida.
Estava eu perdida nestas batalhas emocionais comigo própria quando a contra-parte decidiu por mim e, pasme-se (ou não), me “desamigou”. As novas tecnologias evitam-nos o embate de chamar nomes feios olhos nos olhos. Nem sequer precisamos de recorrer ao mais subtil método, mas igualmente eficaz, de ignorar a sua presença. Basta carregar numa tecla e excluir a foto do grupo de amigos. Como se ao sair do nosso ecrã a pessoa saísse também da nossa vida.
Confesso que foi com não pouca surpresa que, semanas depois do incidente, descobri que me faltava uma amiga. Não sei se naquele momento senti alívio, raiva ou tristeza. Mas alguma coisa senti. E pressenti que aquele desamigament se vinha anunciado deste o momento em que ela lançou para o ar (também no mundo virtual) a ideia que tinha parado o bater do coração e acendido o rastilho para a bomba que agora rebentava.
Ainda hoje não sei se eu a teria tomado tal opção caso ela não o tivesse feito, mas resta dizer que depois do desamigamento o meu coração começou a bater melhor outra vez …

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A MENINA DO BENGALEIRO (e sua tromba)


Lisboa, sexta-feira à noite. Um jantar capaz de me fazer ganhar 5 quilos numa noite, 2 copos de vinho, seguido de um par de bebidas doces, uma companhia mais doce ainda e, como uma cereja no topo do bolo, terminar a madrugada a agitar os caracóis numa pista de dança. A noite perfeita. Haveria alguma coisa capaz de me irritar? Sim. A menina do bengaleiro.
Não serei a pessoa mais simpática do mundo (nem quero ser, digo já), mas quando estou feliz (e eu estava) tendo a ser especialmente afável. Quanto à boa-educação, meus amigos, estou em crer que o meu nome consta dos top 20 mundiais. Não que seja mérito meu, mas da senhora minha mãe que desde cedo me ensinou o “com licença; se faz favor; obrigada”, que eu recitava em ladainha porque não percebia o contexto concreto de cada uma delas.
Pois bem, nessa noite de mil e uma noites saí eu, linda e fantástica, feliz, sorridente, um anjo, posso dizer. Até que dei de caras com a menina do bengaleiro de uma das casas da capital, que teimava em pedir-me 2 euros por peça (a acrescentar ao que tinha pago à entrada e ao que pagaria pelas bebidas). Até aí, eu ainda aguentava. Mas o problema é que o cavalheiro à minha frente (meu amigo, por sinal) apenas tinha pago 1 euro pelas suas duas peças. Interpelada perante tal incongruência, respondeu-me a dita cuja, com a sua tromba erguida aos céus, que os cachecóis não pagavam, por serem peças pequenas. Ora, vai daí, demonstrei-lhe eu que o meu casaquinho de malha era praticamente do tamanho de um cachecol, e que até podia muito bem enrolá-lo ao pescoço como uma encharpe. Mas a suposta senhora lançou-me um olhar ressabiado e proferiu estas sábias palavras: “Mas não é um cachecol. E mesmo que fosse, eu é que decido que cachecóis pagam e quais não”. Assim mesmo. Ela é que decidia.
Nesta altura do campeonato começava a apoderar-se do mim aquela irritação que nutro por criaturas pegajosas, mas disfarcei-a com o meu sorriso Channel. Agradeci-lhe a gentileza da explicação e ainda a louvei por ser raro encontrar na noite tamanha amabilidade.
Convenhamos: a regra dos dois euros por peça já é duvidosa e discriminatória para as meninas, pois é sabido que nós temos sempre mais peças do que os meninos e que gostamos especialmente de as deixar para trás neste tipo de sítios. Mas o pior, piorzinho, foi a menina do bengaleiro responder-me (a mim!!!!) com tamanha prepotência e arrogância, que ela é que decidia. Deve estar o mundo para acabar quando eu, que sou eu, recebo tal tipo de resposta, sobretudo não tendo dado azo a ela e, bem pelo contrário, a ter abordado de forma educada e especialmente simpática (tendo em consideração a pessoa que sou). A verdade é esta: nesta plantação de escravos só pode haver uma Sinhá, e sou euzinha (desculpa Camila), não é a menina do bengaleiro.
Mas não fiz ondas. Não reclamei. Não revirei os olhos… enfim, talvez um bocadinho, mas nada dramático. É que o meu mais que tudo lançou-me o olhar “por favor, porta-te bem” e não sou mulher para negar coisas ao mais que tudo.
Depois de 3 horas na pista a dançar, finalmente, o homem sente-se cansado. E eu respirei de alívio. É que estava à 180 minutos a ouvir musica e a pensar na criatura, vivendo de garrafas de água para nem sequer cheirar a álcool no momento da minha saída triunfal. Até ao quarto de banho eu fui antes de sair, não fosse ser assaltada por alguma vontade inesperada enquanto a dizimava.
Após ter os casacos na mão sãos e salvos, olhei para ela, como se nada fosse e:… “Ah, já agora, quero também o livro de reclamações”.
Escusado será dizer que saiu logo pela porta a gerente, que me convidou amavelmente a entrar para um local mais privado, e me tentou confortar as mágoas. Já eu, sereníssima, pedi-lhe para chamar a “funcionária do bengaleiro” (nome pelo qual a partir desse momento passei a tratar a criatura), porque não me parecia correcto falar nas costas dela. Note-se como até na filha da putice me revelo uma acérrima do due process e dos direitos do arguido. Ah, jurista até à medula…
A “funcionária” começou por negar ter dito o que disse, mas mantendo eu a minha tranquilidade de quem sabe que tem razão, e porque rematei a questão com um “não vale a pena estragarmos a noite, deixe-me só relatar o sucedido no livro de reclamações e certamente tudo vos correrá pelo melhor”, e porque me apresentei de nome completo (esta pega sempre) e me mostrei entediada, ela pensou melhor na vida. Perante este cenário dantesco para o estabelecimento, a “funcionariazinha” lá optou por pedir desculpa. E era só isto. Era só mesmo isto que eu queria. Não tinha a mínima vontade de perder tempo a escrever um romance, com letra bem redondinha, no livro das pessoas insatisfeitas, até porque sei os muitos dissabores que daí decorrem. Mas queria o reconhecimento da falta. É que o dinheiro custa-me a ganhar. Por isso, quando o gasto gosto de saber que é por uma boa causa: fazer-me feliz e ser bem tratada.
Curiosamente, a partir desse segundo começámos as duas a falar animadamente, e dei comigo a confessei-lhe que seria incapaz de ter o estômago dela para aturar bebedeiras e afins. E digo aqui publicamente que tenho a maior admiração por quem trabalha na noite… só que eu não me inseria em nenhum desses “afins”, pelo que merecia melhor do que uma tromba.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Quando somos a gordura que salta das calças


Qual a sensação de passar a noite com o casalinho de namorados que não deixa de olhar um para o outro, melosamente, e que aproveitam as nossos forçados momentos de distracção para se devorarem?
E de estar numa festa em que não conhecemos ninguém?
E de chegar de surpresa a casa de amigos que se preparam para uma uma private party?
É a de estar a mais. Como se as vidas, as diversas vidas das diversas pessoas, tivessem um limite máximo de lotação que já foi atingido quando lá chegamos. Um numerus clausus de presenças para cada momento da vida. Ou então, imaginemos que vidas são corpos a tentar enfiar-se numas skinny jeans, e por vezes damos por nós a ser aquele pneu irritante que já não cabe nas calças e que tem que saltar fora, de forma que o fica é um pedaço de gordura pendente da cintura.
Sempre tive fobia a ser esse pneu. Entre as recordações mais vivas que tenho da minha infância está precisamente essa de estar a mais. Acho que em diversos aspectos fui uma criança especialmente precoce. Reconheço que em muitos outros me tornei numa adolescente demasiado infantil, e que ainda hoje passo pela vida como uma adulta Peter Pan, que não cresceu nem sabe como fazê-lo. Mas essa minha precocidade fez-me despertar bastante cedo para preocupações mais próprias de gente crescida. A de ser uma presença inconveniente foi uma delas. Talvez que a minha bicheza do mato se deva em parte a esse medo em ocupar um lugar que não é meu.
Tendo em conta tamanha consternação, seria de esperar que jamais me tivesse colocado nessa ingrata posição. Acontece que vai uma grande distância entre o guião que escrevi para mim e a forma como as cenas concretas resultaram na película.
Agorinha mesmo, neste preciso momento, sei que estou a mais. Digamos que este será um daqueles takes que tenciono apagar. Queimar a película mesmo. Porque não me vou embora? Estou neste preciso momento à procura de uma boa justificação. Não sei se é mais corajoso ficar ou ir. Não é um daqueles casos em que sei a resposta correcta, só não a quero aceitar. A verdade é que não sei mesmo qual é…
Suponho que por vezes insistimos na nossa presença to make a point, esperando retirar daí uma qualquer espécie de vitória moral. Não é o caso. Outras vezes trata-se de um sacrifício pessoal em nome de um bem maior. Suponho que esse é o episódio de hoje. Faço isto porque sei que se o não fizer chegamos ao fim de um caminho que foi pensado para durar mais uns quilómetros, a distância toda até. Então, mesmo que me doa, fico. Engulo em seco e fico. Respiro fundo e fico. Empurro as lágrimas para dentro e fico. Dou um pontapé no orgulho e fico. Até ao momento em que ficar seja uma derrota maior que partir. Reconheço que postas assim as coisas parece que estou a falar de uma batalha mortal. Como se vê, o meu espírito megalómano transforma em lutas aguerridas pequenas insignificâncias da vida. Não vejo que seja grande defeito. Pragmática como sou , acredito que há que fazer o que for preciso para passar pelo mundo da melhor forma possível.
Mas voltando ao momento de hoje, a este segundo que está agora a cair no relógio, a verdade nua e crua é que estou a mais. E não deixa de ser possível pensar que só estou a mais porque não tenho mais sítios para onde ir.
Enfim, pouco mais há a dizer. Hoje sinto-me um pneu de gordura. Pode ser que amanhã acorde sentindo-me o músculo dos glúteos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Desculpe, importa-se de repetir?


A história não é original.
Rapaz parte coração a rapariga. Rapariga bate com a cabeça nas paredes durante alguns meses, e no meio da perturbação decide que o único remédio é voltar a apaixonar-se. Mas aí está uma coisa mais fácil de dizer do que fazer. Porém, a força de vontade move montanhas e, pelos vistos, também corações. Um dia a rapariga encontra um rapaz amável e limpinho, e decide que será aquele a sua vítima. E tenta, tenta com todos os poros do seu corpo, criar ali uma paixão, alguma coisa a que se pudesse agarrar. Mas as comparações são inevitáveis, e quase sempre injustas. De modo que o rapaz estava a ser um paliativo, não a cura da doença de coração. Quando ela procurava as palavras apropriadas para virar as costas com alguma graciosidade ele facilita-lhe a vida. Mete o pé na argola de uma forma que ela não podia deixar passar. A rapariga suspira de alívio. Ao princípio. Depois, dá por ela a suspirar por ele. A ausência do rapaz é sentida como uma perda. Dias mais tarde o rapaz volta. Perde perdão. Chora baba e ranho. Implora. E a rapariga, cheia de medo de perder aquilo que lhe parecia a última oportunidade de se apaixonar, amolece. Mas antes mesmo de se consumar o acto de misericórdia afectiva ele falha de novo. Redondamente. Profundamente. Imperdoavelmente. E ela, que não é mulher dada a grandes gestos de clemência, desliga-lhe o telemóvel e bate-lhe a porta na cara. Não sentiu qualquer desgosto de amor… se calhar já nem está apta para sofrer mais nenhum, uma espécie de imunidade emocional que lhe adveio de uma dor crónica de coração. Pelo contrário, alivio. É que já é difícil partilhar a vida com alguém, mas é praticamente heróico partilhar quando não se gosta. E, de facto, aquela falta que tinha sentido num primeiro momento revela-se apenas a falta de uma presença abstracta e não de um “tu” particular. De modo que quando trancou a porta sentiu um peso sair-lhe de cima. Não apenas porque o “the end” chegou cedo (mas já tarde demais), mas também porque ficara evidente que ninguém se servira de ninguém. Ou melhor, tinha-se servido mutuamente um do outro. A rapariga porque queria uma companhia que lhe adoçasse o ego. O rapaz porque queria… o que queria, nem ela sabe. Tudo sem violação do princípio kantiano, porque, ao fim ao cabo, uma instrumentalização anula a outra.
A história é esta. Como bem avisei, nada de excepcional ou exótico. Gostava de ter outra coisa para contar, mas isto é o que tenho.
Porém, há aqui um desfecho extraordinário. É que passados meses de infrutíferos contactos por parte dele, decidi finalmente que poderíamos, e deveríamos, ser amigos. Não apenas porque partilhávamos agora a mesma cidade, mas também porque sentia falta do amigo que ele tinha sido um dia. E, convenhamos, a aproximação do espírito natalício deu um empurrãozinho. Marcámos um jantar. Eu estava ansiosa por retomar a nossa amizade no ponto em que a tínhamos parado. Mas para isso precisava de esclarecer uma série de mal-entendidos que poderiam aniquilar a nossa futura vida como “camaradas”. Durante um agradável jantarinho recordámos os bons tempos juntos. Queria, antes de mais, esclarecer algumas mágoas que poderiam ter ficado. Por conseguinte, rematei a conversa dizendo que acreditava que iríamos ser bons amigos, e que não podíamos deixar que um namoro de semanas se intrometesse no nosso companheirismo, até porque tinha sido uma coisa insignificante em termos de sentimentos, mais motivada pela mútua solidão do que por alguma outra coisa. “Afinal, nem sequer gostávamos particularmente um do outro”.
“Não, enganas-te. Eu estava perdidamente apaixonado por ti. “
Desculpe…importa-se de repetir?
Estás-me a dizer que gostava efectivamente de mim, que deitou tudo a perder porque sabia de deste lado havia um vazio, que sofreu com o fim? É isso que me estás a dizer?
Não sei se era isso. Posso garantir-vos que a foi uma noite maravilhosa, com um amigo que quase sinto como sendo de longa data, que me deixou à porta de casa e ficou ali a ver-me entrar antes de arrancar ruidosamente com o carro, que desde então não mais tive notícias dele, nem sequer uma resposta aos meus votos de feliz Natal, que não me atende telemóveis, e que o silêncio só foi quebrado por uma mensagem dizendo que estava de volta a um local que ambos tínhamos partilhado e que as recordações eram imensas. Deixo a cada um liberdade para divagar sobre o que ele terá querido dizer.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Simplesmente Viver

Este ano ainda agora começou e já me pregou uma partida. E como estamos no início do ano parece que isso ainda me entristece mais, faz-me reflectir ainda mais em como a vida de um momento para o outro pode ser cruel. A vida dá-nos uma abanão quando menos esperamos. É doloroso perder uma amigo, familiar, colega. Eu perdi um colega, uma camarada de trabalho. A vida é assim, parece que aprendemos mais com os momentos de tristeza do que com os momentos de alegria. Ontem foi um dia de reflexão, porque podia ter acontecido comigo.. que passo horas nas estrada, que me distraio com o tlm, que conduzo cansada, que aproveito para pôr as lentes de contacto quando paro num semáforo, que leio, vejo e tiro apontamentos, tiro dúvidas da obra, grito com subempreiteiros... tudo com as mãos no volante. Assim como ele. Ontem vi uma familia destruida. Que podia ter sido a minha. Foi por isso que ontem no cemitério eu e os meus colegas trocámos olhares cúmplices. Estávamos todos a pensar no mesmo.
Bem haja para ti, João.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ensaio sobre a solidão



Pela estação ecoava a voz de “menina de rádio”, anunciando que todos os comboios estavam atrasadas em virtude de um acidente nas linhas. Um suicídio, ao que parece. Caramba, entre tantas formas de as pessoas se matarem têm logo que escolher uma que causa transtorno a tanta gente. Não a mim, porém. É que enquanto à minha volta o povinho se rebelava contra o poder absoluto do monarca CP, eu dei por mim a pensar, simplesmente, que era aborrecido. É que todos os demais tinham compromissos, gente à sua espera, jantares que estavam a ficar frios, crianças que reclamavam pelos seus mimos. Já eu… só me tinha a mim. Reformulo: já eu, só me tenho a mim. Nem sequer existe na minha vida um cachorrinho que anseie pela minha chegada para ir dar o seu passeio. Na verdade, é-me mais ou menos indiferente chegar às 8 da noite, às 9, às 4 da manhã, ou no tarde seguinte. Ou nunca chegar até. Simplesmente, porque eu não tenho ninguém à espera.
Por isso sou sempre a última a sair do escritório. Por minha vontade até lá dormir. Nem sei porque preciso de casa. Não fosse o problema de alojar as minhas caixas de sapatos e de livros bem que podia viver debaixo da ponte. É que ter uma casa pressupõe ter uma porta onde desejamos meter a chave na fechadura para entrar na home sweet home, onde há uma lareira acesa e um chocolate quente à nossa espera. Mas no meu caso, o na melhor das hipóteses tenho um pequeno aquecedor a óleo e um daqueles tabuleiros de comida pré-feira que meto no micro-ondas.
Há muito que desisti de cozinhar. Apesar de por vezes acreditar que nesta confusão que é a minha cabeça saltitam várias personalidades diferentes, o certo é que não existe uma Vera gourmet capaz de elogiar as aventuras culinárias da Vera cozinheira.
Em regra vivo bem comigo. Mas há dias em que gostava de ter um “contigo” com quem poder partilhar o nada que tenho. Ontem foi um desses dias. Sobrevivi a uma catástrofe emocional. Reconheço que para alguns seria um pequeno furo na estrada, mas para mim, que atirei o brio profissional para o topo da minha pirâmide de prioridades, aquilo foi um autêntico choque em cadeira. Pardon my french, mas diria mesmo que uma autêntica filha da putice o que me fizeram. Que bem me tinha sabido umas festinhas na cabeça, coisas melosas ditas com voz suave, uma mera presença física que mais não fosse. Não aconteceu assim. Talvez pelo melhor. O que não nos mata torna-nos mais fortes… dizem.
Claro que há dias diferentes. Também eu tenho os meus momentos de animal social. Reuniões, festas, jantaradas, saídas à noite. Mas, dê lá por onde der, a Cinderela tem que voltar para casa, nem que seja na meia-noite do outro dia. E quando volta… só fica ela, a abóbora e os ratinhos.
Because, in the end of the day, we are all alone.
E quanto mais depressa percebermos isso melhor vamos conseguir partilhar a vida com a nossa solidão.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Um pequeno remédio para a dor na alma

É tão difícil confortar alguém que a única coisa que quer é que o tempo passe depressa para que a dor comece a desvanecer... muitas vezes faltam-nos as palavras... e relembramos que também já passámos por isso e que não havia palavras que nos pudessem confortar. Sei que não existem palavras mágicas. Assim, peço ao tempo que passe depressa e traga paz as minhas amigas. O silêncio é sinónimo de compreensão.
Beijo Vera. Beijo Andreia.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Epidural para dores de alma



Se eu tivesse agora mesmo uma dor lancinante no estômago, nos dentes, em qualquer parte do meu corpo físico, corria para a farmácia, comprava aspirina ou, em última instância, Clonix, e a maleita supostamente passava. Se assim não fosse, apanhava um táxi para o hospital e, ainda que em plena agonia, pedia uma intervenção cirúrgica, uma epidural, uma transfusão sanguínea, eu sei lá…
Paradoxalmente, ninguém inventou ainda nada para as dores de alma. O que afinal redunda também numa dor física, porque não há nada de mais corpóreo do que o coração, que nos bombeia sangue para que tudo o mais funcione. E a alma, para todos os efeitos, é a magia que faz o vermelhinho bater.
Para as tais dores de alma parece que só mesmo o tempo, esse médico infalível, consegue aliviar o sofrimento. Mas o Dr. Tempo demora demais. A ferida tarda tanto em sarar que por vezes infecta e temos que ser amputadas. Eu, por exemplo, já ando aqui pelo mundo sem um bocadinho que mim, que se perdeu algures num destes episódios de infecção aguda.
Seria de esperar que quando a doença se tornasse crónica perdêssemos alguma sensibilidade para a dor. Um pouco como sucede com os sapatos apertados: após horas a fio com os bichos a devorarem-nos os dedos dos pés deixamos de os sentir e somos apenas mulheres lindas com sapatos fantásticos. Mas não. Concluo que a alma – pelo menos a minha – segue um timing diferente dos pés. E por mais machucada que esteja nem por isso perde a sensibilidade (diria mesmo, hipersensibilidade) à dor. Já perguntei por aí se alguém conhece uma epidural para dores de alma, mas consta que a ciência ainda não se ocupou deste problema. Também procurei nas Páginas Amarelas por um curso Lamaze de preparação para a dor aguda, mas a busca foi infrutífera. Resta-me treinar em casa exercícios de respiração na fugaz ilusão de conseguir controlar as contracções de tristeza, mas confesso que os actos de inspirar e expirar são relativamente inúteis quando as lágrimas atacam convulsivamente.
Mas como há gente tão inteligente nesse mundo todo, quem sabe se algum crânio no MIT, ou um daqueles senhores indianos que agora inventam tudo, não se lembrará de criar um transplante de alma. Não que seja muito apelativo andar por aí com a alma de uma pessoa morta, quase um fantasma dentro de nós, mas caramba… não há-de ser muita a diferença face a quem anda com o rim ou com a córnea de um cadáver. E neste momento, em que até já xenotransplantes se fazem, estou até disposta a aceitar a alma de um porco ou de um gato. Na verdade pouco me interessa o animal, desde que tenha sido feliz em vida.
Também já ponderei a hipótese de recorrer a células estaminais para a alma. O nosso primeiro (senhor licenciado em engenharia) instituiu o banco público de células do cordão umbilical. Porque não me aventuro eu na criação de um banco de células de alma? Anúncio: “Procuram-se dadores felizes, que queiram fazer outra pessoa feliz mediante as suas células almares (assim as baptizei eu)”. Mas como por mais que salte, faça o pino e me vire ao contrário ainda não descobri como extrair uma dessas células almares, e porque quase desconfio que a alma não é feita de células mas de pozinhos de prelimpimpim, chego à conclusão que não será na ciência que encontrarei resposta para a minha doença.
Só me resta esperar que a febre intensa e a perda brutal de sangue não me matem a alma. Não saberia onde a sepultar nem como viver sem ela.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Filhos de um Deus menor


Ontem à tarde, enquanto pedalava desenfreadamente no ginásio, na fugaz ilusão de matar as calorias que tomaram o meu corpo de assalto durante a época festiva, olhei para o ecrã da televisão que nos tenta distrair das dores musculares (e de alma, diga-se de passagem). Na SIC passava um documentário sobre a corrupção em África, mais propriamente no Quénia e na Serra Leoa. Nada de novo até aqui. Mas nuca é demais recordar. Recordar que há famílias que vivem em espaços do tamanho da minha casa de banho, mas… sem case de banho. Que estas cabanas se ergueram no meio de dejectos humanos, onde a única água disponível é a que escorre em esgotos imundos e a luz apenas a do sol ou a das velas. Que há quem tenha que escolher a qual dos filhos vai dar pão naquele dia. Que em certos países até para conseguir trabalhar um dia é necessário subornar alguém, de modo que dois terços do salário com que supostamente se iria alimentar os filhos acabam por encher os bolsos de pessoas que vivem da miséria de quem os rodeia.
Como dizia, nada de novo. Para mim, sobretudo. Depois de um par de anos em Angola posso dizer que estes olhos viram coisas inimagináveis. A miséria humana na sua forma mais crua. Não somente a material, a que mata o corpo, mas também a miséria de valores, que mata ainda mais. Os meninos da rua apontavam uma arma por um par de ténis. Um deles entrava sempre comigo no supermercado para que eu lhe comprasse leite em pó para o irmão bebé. Tinha alunos que iam para as aulas nocturnas sem jantar porque as propinas da universidade não deixavam dinheiro para o pão. Um menino com o corpo queimado fez-me festas no cabelo (no cabelo de oiro, dizia ele), porque supostamente eu seria um anjo que tinha vindo do céu para o levar dali para fora e o tirar daquela vida para um mundo melhor. Muita coisa vi eu em Angola. De algumas nem consigo falar, mas não esqueci. Nem quero esquecer. E também não esqueço como, a certa altura, já tudo aquilo me parecia normal. A violência, a morte, a dor, o sofrimento, passaram a fazer parte da minha vida. Ou eu parte de uma outra vida, nem sei bem. É incrível o quão rapidamente o ser humano se habitua às coisas, por mais pérfidas que sejam.
Mas ainda assim, ali estava eu, quase surpreendida, suor a escorrer-me pela testa, porque queria perder os pneus que ganhei com toneladas de comida. Nem falo de tudo aquilo que foi para o lixo. Nem de todo o dinheiro gasto em presentes que provavelmente nunca vão ser usados. Nem da conta que acabara de pagar numa loja de meias , só pelo prazer de ter colantes de trezentas e oitenta cores e feitios, cujo montante daria para alimentar uma daquelas famílias durante um mês.
A vida é, realmente, muito fácil para nós. Haja dinheiro para pagar as extravagâncias que o cérebro humano se lembre de inventar, e assim atingiremos a felicidade suprema. Não falo contra vocês, que me estão a ler, apaziguados com as vossas transgressões financeiras. Falo de mim. Cada um lida com as suas futilidades da forma que mais lhe apraz. Eu escrevo sobre elas.
Não sou católica. Enfim, não renego nada, porque para isso teria que ter a certeza que o renegado existe e nem isso tenho. Já se vê que tão-pouco nego a sua existência. Digamos que admito qualquer das possibilidades e, em última instância, tenho fé em mim e em todos nós. Creio que tudo o que existe de bom a nós se deve. Mas, impiedosamente, e até para manter a coerência lógica, penso também que aquilo que existe de mau é nossa obra. Porque se eu acreditar em Deus sou forçada a acreditar em vários deuses, para no final concluir que aquela gente que me olha tristemente pelo ecrã da televisão é, afinal, filha de um Deus menor.