terça-feira, 2 de março de 2010

O outro homem da minha vida


Para aqueles que nós que vivemos boa parte das nossas vidas longe de quem nos é ligado pelo sangue têm sido os amigos a amparar-nos as quedas. Tenho um, em especial, que foi durante muitos anos o meu colete salva-vidas e que mesmo agora, separados por quilómetros de distância e por ainda mais quilómetros nos rumos que demos às nossas vidas, continua a ser, e sempre será, o meu Amigo.
Conhecemo-nos da forma mais inusitada possível e com escassas possibilidades de empatia, dado que quem olhava para nós via tudo menos o Pin e o Pon em que nos tornámos. Suponho que o click tenha ocorrido naquela noite de Queima em que acelerámos pelas ruas, Janis Joplis bem alto na rádio, e ele mete a cabeça de fora e grita desalmadamente, quase como um uivo, tentando acompanhar a música. Ficámos quase irmãos nesse dia e assim tem sido desde então.
Posso vangloriar-me de ter conseguido arrastar um retrossexual puro para tardes de compras (impossível esquecer o rosto de desespero no meio de uma Zara transformada em campo de batalha de mulheres enlouquecidas pelos saldos). Foi meu confidente em tudo, desde preparações de “first date” até noites terminadas a chorar no seu ombro. Aguentou-me desvarios alcoólicos, noites mal dormidas, intoxicações alimentares, desgostos de amor. Deslindou-me os mistérios do futebol, das várias preferências masculinas, da informática, da sangria e da cura de ressacas. Fomos de férias, de fins de semana, de jantares, de noitadas, fomos de tudo. Somos de tudo ainda.
Entre as mais deliciosas recordações que tenho com ele está a do dia em que me embeicei pelo senhor do carro ao lado, na bomba de gasolina, e entrei em pânico ao pensar que aquele cavaleiro andante pudesse sequer supor que nós éramos namorados, já que partilhávamos o carro em grandes gargalhas. Ainda ponderei seriamente a hipótese de o expulsar do Veramobile, mas dado que chovia torrencialmente, e ainda em desespero de causa, implorei-lhe que adoptasse qualquer gesto gay, na vã tentativa de demonstrar lá para fora que dentro daquele carro só havia fraternidade pura. Mas pedir isto a um hetero… enfim, é complicado. De modo que foi doloroso ver o pobrezinho a tentar qualquer posição mais afeminada sem perder a compostura.
Eu, que sou menos melhor pessoa do que ele, fiz o meu melhor para o fazer sentir especial na minha vida. Aguentei impávida e serena intermináveis campeonatos do mundo de futebol a ponto de conseguir discutir foras de jogo com qualquer comentador desportivo; aguentei-lhe, ainda com mais dor, um ou outro amigo ao qual só não dei o devido tratamento em nome de todo o respeito, lealdade e do sentimento imenso que tenho por ele (se bem que o magricela que me apalpou estava mesmo a pedi-las); e cheguei até a ser minimamente simpática para pseudo-namoradas terrivelmente duvidosas.
Fomos alvo de intermináveis piadas sobre a nossa suposta amizade. A verdade é que quando um azul e uma cor-de-rosa passam tanto tempo juntos acabam por enrolar-se nos lençóis. É quase uma lei de Murphy. Mas connosco nunca foi assim. Por muitos meninos-amigos que tenha tido na vida nunca me senti tão confortável como com ele. A prova viva de que efectivamente pode haver amizade genuína e pura entre os sexos. Sem querer transformar isto num tratado de psicologia asseguro aqui que este homem – lindo, devo dizer – foi o meu amigo mais íntimo sem nunca cairmos em intimidades.
Este sempre foi um ponto crucial entre nós: a questão dos amores. Neste designativo geral incluo interesses, paixões, engates, amassos, mas, sobretudo, namorados. Felizmente os meus sempre o adoraram e nunca me colocaram o mínimo obstáculo ao tempo que passo (passava) com ele. Já eu, receava o dia em que me apresentasse uma namorada a sério. Um pouco de sentimento de posse de uma irmã mais velha. Mas, principalmente, o temor de que a menina não estivesse à altura do homem fantástico que ele é, e do incrível namorado que sempre soube que ele seria. Mas coisas boas acontecem às pessoas boas, de modo que encontrou a melhor namorada que alguém pode desejar.
Botton line: O mundo dá muitas voltas, e com ele a nossa vida também. E por vezes cambalhotas desgraçadas. Mas há sempre alguém que nos diz “tem cuidado” e que nos faz pensar um pouco. No meu caso, é ele.
O texto de hoje é para o meu melhor amigo.

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