As minhas relações de amizade foram sempre atribuladas. Porque eu sou atribulada. De modo que ao longo destes anos já atropelei emocionalmente uma série de amigos meus (não falando dos pseudo e dos meros conhecidos), umas vezes imbuída de razão, outras apenas imbuída de mim mesma e do meu ego.
Recordo o dia em que dizimei a uma boa amiga por ter publicado sem autorização fotos minhas no Hi5, e passo agora os olhos pelas 34587 fotos que anos mais tarde eu própria meti a circular nas minhas páginas pessoais. Também me aborreci com a que criticou a minha decisão de comer com chapéu (e continuo a achar que é uma das prerrogativas de ser senhorita) e com aquela outra que trocou as confidências que desde a infância trocava comigo pela intimidade do tete a tete com o namorado.
Admito: sou hiper-mega mimada. E sou muitas outras coisas mais. Felizmente, quis o cosmos - ou a senhora que manda nisto tudo (estou convencida que é uma senhora) – que me calhasse nesta lotaria que todos jogamos quando nascemos o pacote dos melhores amigos do mundo. Que não me amam pelo que sou, mas sim apesar do que sou. É que fossemos nós perfeitos os amigos não nos faltariam. O que torna o feito notável são precisamente as nossas imperfeições.
Os amigos, em contrapartida, são praticamente perfeitos. O “praticamernte” resulta de nano-micro lacunas que por vezes descubro num ou nutro. Mas são quase sempre tão minúsculas que é manifesta a sua incapacidade para alterar a admiração, o respeito, o carinho, que sinto por eles.
Depois… há o resto.
O resto são aquelas falhas do tamanho da Falha de Santo André, também elas causa de brutais tremores de terra na minha cabeça. Passamos anos a alimentar uma certa imagem da pessoa, como sendo cor-de-rosa e sabendo a algodão doce, e depois subitamente no minuto passado descobrimos que afinal a sua alma é baça e sem cor, e o seu sabor aproxima-se do de ovos podres com pão bolorento.
E quando isto sucede temos dois momentos de pânico. Primeiro, apodera-se de nós aquela desilusão só sentida quando pegamos num cartão de crédito que já ultrapassou o limite ou quando chegamos à sapataria depois de terem vendido o nosso número. Uma dor imensa, portanto. Depois, somos assaltados pela dúvida, mais metódica do que a própria dúvida cartesiana: “será isto suficiente para deixarmos de ser amigos?”. Aliás, reformulo, porque mais angustiante ainda é quanto esta interrogação assume a fórmula dramática de “será que ainda podemos ser amigos depois disto?”. É que há ao lado das pequenas coisas que rapidamente esquecemos, há coisas maiores que nos fazem meditar, e coisas verdadeiramente gigantes que demonstram o erro que foi trazer aquela pessoa para a nossa vida.
Estava eu perdida nestas batalhas emocionais comigo própria quando a contra-parte decidiu por mim e, pasme-se (ou não), me “desamigou”. As novas tecnologias evitam-nos o embate de chamar nomes feios olhos nos olhos. Nem sequer precisamos de recorrer ao mais subtil método, mas igualmente eficaz, de ignorar a sua presença. Basta carregar numa tecla e excluir a foto do grupo de amigos. Como se ao sair do nosso ecrã a pessoa saísse também da nossa vida.
Confesso que foi com não pouca surpresa que, semanas depois do incidente, descobri que me faltava uma amiga. Não sei se naquele momento senti alívio, raiva ou tristeza. Mas alguma coisa senti. E pressenti que aquele desamigament se vinha anunciado deste o momento em que ela lançou para o ar (também no mundo virtual) a ideia que tinha parado o bater do coração e acendido o rastilho para a bomba que agora rebentava.
Ainda hoje não sei se eu a teria tomado tal opção caso ela não o tivesse feito, mas resta dizer que depois do desamigamento o meu coração começou a bater melhor outra vez …
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