Uma das minhas primeiras nannys foi a gata que acompanhou a minha mãe durante toda a gravidez, e que depois acompanhou os meus primeiros anos de vida, naquela forma pachorrenta, doce, mas quase arrogante, que caracteriza os felinos.
A este miau muitos outros se seguiram até ao meu último companheiro de jornada, um Gabriel que nasceu gato e não anjo, mas que para mim, naquela noite em que me foi entregue pelo “tio” Paulo numa caixa de cartão, foi um anjo salvador. Pelo meio apareceram no meu caminho dezenas de gatos e gatinhos, vários cachorros (o Vladimir teve até direito a uma dedicatória na tese, que circula por aí dando-o a conhecer ao mundo), uma hasmterina , de nome Catarina Eufémia, que se alimentava de variadas sementes, mas especialmente das pontas dos meus dedos; um Martin Luther King canarinho, que fazias as delicias dos gatos da casa na altura; e um coelho anão, que morreu brutalmente assassinado pelo gato do padeiro, fazendo assim jus, com o seu destino trágico, ao nome com o baptizei: Oscar Wilde. Resta dizer que o Gabriel vive neste momento com os “avós”, porque gosto demasiado dele para o ter todo o dia fechado no meu pequeno T2, para qual só volto noite cerrada, e que cada vez que falo com a minha mãe ao telefone me conta ela todas as gracinhas e aventuras do meu filhote gato.
Esta abreviadíssima biografia serve para ilustrar o papel que os bichos sempre desempenharam na minha vida. Lá em casa faziam parte da família, e assim cresci habituando-me a respeitá-los e a amá-los.
A ligação sentimental que tenho com a bicharada é, pois, do maior, apreço e carinho. Gosto deles como se gosta daquele amigo que está sempre ali, e não arreda pé por muito que o ignoremos.
Não quer isto dizer que à luz de uma apreciação jurídica defenda que os animais são pessoas e, como tal, titulares de direitos. Não me repugna quem sustente tal posição (aliás, acho estimulantes as leituras de Peter Singer) mas, simplesmente, não é a minha. Ou melhor, por enquanto, não é a minha.
Todavia, e aqui reside o problema, tão-pouco são coisas. Partir uma pata a um animal está longe de ser equivalente a partir a perna de uma mesa, e quem defenda que o não é, aí sim, já me repugna a ponto de me dar voltas ao estômago.
As insuficiências com que o direito se depara no momento de enquadrar juridicamente os animais derivam da escassez de conceitos com que operamos: tudo é “pessoa” ou “coisa”, e fora deste binómio nada mais existe. Ora, creio eu que no meio existem muitas variantes, nomeadamente variadíssimos tipos de tertius genus, que não sendo pessoa, merecem porém um respeito e uma protecção acrescidos.
Não significa isto que tenhamos que ser todos vegetarianos. Eu fui-o durante 7 ou 8 anos, mas a páginas tantas comecei a sentir-me demasiado infeliz com a ausência de uma pata de peru no meu prato. Hoje como carne e peixe, uso sapatos e casacos de pele, e já várias vezes sentei o meu rabiosque num sofá de pele também. Provavelmente isto faz de mim uma má pessoa, e estou a tentar abdicar destes “caprichos” utilizando apenas peles sintéticas Mas – e este é um importantíssimo “mas” – sou absolutamente incapaz de matar ou torturar um animal pelo simples e puro prazer que daí se possa retirar, mas que de todo me escapa . De modo que touradas, lutas de cães, utilização de animais na industria cosmética, atropelamentos como desporto, defendo eu que tudo isso deveria ser sancionado, alguns mesmo criminalmente.
Era eu uma jovem académica “inconciente” quando fui convidada para uma conferência sobre os supostos direitos dos animais. E aquilo que disse na altura (e que deixei escrito em alguma diskete perdida no tempo neste mundo de PC’s sem disketes) mantenho-o agora: só as pessoas têm direitos, mas as não pessoas podem estar protegidas de diversos modos. Aliás, isto mesmo defendo eu para os embriões e fetos. Recordo-me até de uma célebre conferencia de direito médico na América Latina, onde me coube falar de logo após um almoço demorado numa tarde quente, e para acordar a audiência estas foram as minhas primeiras palavras: “Os embriões são como os cães”. Escusado será dizer que quase fui apedrejada como uma Maria Madalena. Mas a verdade é esta: nem uns nem outros são pessoas, logo não t~e, direitos, mas merecem uma protecção jurídica não muito distante da nossa.
No caso dos animais, sendo eles criaturas que partilham connosco o espaço planetário e, mais do que isso, as nossas vidas, as alegrias e tristezas (as solidões, as ausências, as perdas), creio que é o nosso próprio estatuto de pessoas dotadas de dignidade humana que nos impõe um comportamento digno para com os animais. É que isto de ser pessoa humana não nos atribui apenas direitos, mas igualmente obrigações. Uma delas é a de tratar com respeito as outras criaturas, não as matar de forma arbitrária e com sofrimento e, na medida do possível enriquecer a sua existência tal como elas enriquecem a nossa. Quando assim não sucede, quando matamos com prazer e nos regozijamos com a dor (recordo-me de alguém que me falava do prazer intelectual que as touradas lhe proporcionavam ao ver o touro a escorrer sangue da boca, o que me demonstra que obviamente nunca encontrou outras formas de satisfação do espírito tal como ler ou livro ou jogar xadrez), degradamo-nos nós mesmos ao estatuto de bestas e, por conseguinte, deixamos de ser dignos da dignidade. A bestialidade é incompatível com a dignidade e com o reconhecimento de direitos.
Podia continuar a encher páginas com divagações jurídico-filosóficas sobre o estatuto ético e jurídico dos animais. Mas a verdade é que as milhentas palavras que possa escrever ficarão sempre aquém do olhos do meu gato quando me vê, me lambe as mãos e ronrona suavemente acariciando-me as pernas.
A este miau muitos outros se seguiram até ao meu último companheiro de jornada, um Gabriel que nasceu gato e não anjo, mas que para mim, naquela noite em que me foi entregue pelo “tio” Paulo numa caixa de cartão, foi um anjo salvador. Pelo meio apareceram no meu caminho dezenas de gatos e gatinhos, vários cachorros (o Vladimir teve até direito a uma dedicatória na tese, que circula por aí dando-o a conhecer ao mundo), uma hasmterina , de nome Catarina Eufémia, que se alimentava de variadas sementes, mas especialmente das pontas dos meus dedos; um Martin Luther King canarinho, que fazias as delicias dos gatos da casa na altura; e um coelho anão, que morreu brutalmente assassinado pelo gato do padeiro, fazendo assim jus, com o seu destino trágico, ao nome com o baptizei: Oscar Wilde. Resta dizer que o Gabriel vive neste momento com os “avós”, porque gosto demasiado dele para o ter todo o dia fechado no meu pequeno T2, para qual só volto noite cerrada, e que cada vez que falo com a minha mãe ao telefone me conta ela todas as gracinhas e aventuras do meu filhote gato.
Esta abreviadíssima biografia serve para ilustrar o papel que os bichos sempre desempenharam na minha vida. Lá em casa faziam parte da família, e assim cresci habituando-me a respeitá-los e a amá-los.
A ligação sentimental que tenho com a bicharada é, pois, do maior, apreço e carinho. Gosto deles como se gosta daquele amigo que está sempre ali, e não arreda pé por muito que o ignoremos.
Não quer isto dizer que à luz de uma apreciação jurídica defenda que os animais são pessoas e, como tal, titulares de direitos. Não me repugna quem sustente tal posição (aliás, acho estimulantes as leituras de Peter Singer) mas, simplesmente, não é a minha. Ou melhor, por enquanto, não é a minha.
Todavia, e aqui reside o problema, tão-pouco são coisas. Partir uma pata a um animal está longe de ser equivalente a partir a perna de uma mesa, e quem defenda que o não é, aí sim, já me repugna a ponto de me dar voltas ao estômago.
As insuficiências com que o direito se depara no momento de enquadrar juridicamente os animais derivam da escassez de conceitos com que operamos: tudo é “pessoa” ou “coisa”, e fora deste binómio nada mais existe. Ora, creio eu que no meio existem muitas variantes, nomeadamente variadíssimos tipos de tertius genus, que não sendo pessoa, merecem porém um respeito e uma protecção acrescidos.
Não significa isto que tenhamos que ser todos vegetarianos. Eu fui-o durante 7 ou 8 anos, mas a páginas tantas comecei a sentir-me demasiado infeliz com a ausência de uma pata de peru no meu prato. Hoje como carne e peixe, uso sapatos e casacos de pele, e já várias vezes sentei o meu rabiosque num sofá de pele também. Provavelmente isto faz de mim uma má pessoa, e estou a tentar abdicar destes “caprichos” utilizando apenas peles sintéticas Mas – e este é um importantíssimo “mas” – sou absolutamente incapaz de matar ou torturar um animal pelo simples e puro prazer que daí se possa retirar, mas que de todo me escapa . De modo que touradas, lutas de cães, utilização de animais na industria cosmética, atropelamentos como desporto, defendo eu que tudo isso deveria ser sancionado, alguns mesmo criminalmente.
Era eu uma jovem académica “inconciente” quando fui convidada para uma conferência sobre os supostos direitos dos animais. E aquilo que disse na altura (e que deixei escrito em alguma diskete perdida no tempo neste mundo de PC’s sem disketes) mantenho-o agora: só as pessoas têm direitos, mas as não pessoas podem estar protegidas de diversos modos. Aliás, isto mesmo defendo eu para os embriões e fetos. Recordo-me até de uma célebre conferencia de direito médico na América Latina, onde me coube falar de logo após um almoço demorado numa tarde quente, e para acordar a audiência estas foram as minhas primeiras palavras: “Os embriões são como os cães”. Escusado será dizer que quase fui apedrejada como uma Maria Madalena. Mas a verdade é esta: nem uns nem outros são pessoas, logo não t~e, direitos, mas merecem uma protecção jurídica não muito distante da nossa.
No caso dos animais, sendo eles criaturas que partilham connosco o espaço planetário e, mais do que isso, as nossas vidas, as alegrias e tristezas (as solidões, as ausências, as perdas), creio que é o nosso próprio estatuto de pessoas dotadas de dignidade humana que nos impõe um comportamento digno para com os animais. É que isto de ser pessoa humana não nos atribui apenas direitos, mas igualmente obrigações. Uma delas é a de tratar com respeito as outras criaturas, não as matar de forma arbitrária e com sofrimento e, na medida do possível enriquecer a sua existência tal como elas enriquecem a nossa. Quando assim não sucede, quando matamos com prazer e nos regozijamos com a dor (recordo-me de alguém que me falava do prazer intelectual que as touradas lhe proporcionavam ao ver o touro a escorrer sangue da boca, o que me demonstra que obviamente nunca encontrou outras formas de satisfação do espírito tal como ler ou livro ou jogar xadrez), degradamo-nos nós mesmos ao estatuto de bestas e, por conseguinte, deixamos de ser dignos da dignidade. A bestialidade é incompatível com a dignidade e com o reconhecimento de direitos.
Podia continuar a encher páginas com divagações jurídico-filosóficas sobre o estatuto ético e jurídico dos animais. Mas a verdade é que as milhentas palavras que possa escrever ficarão sempre aquém do olhos do meu gato quando me vê, me lambe as mãos e ronrona suavemente acariciando-me as pernas.
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