Um texto da Vera. Hoje nem poderia ser meu: não estou suficientemente acordada para tanto!
Num destes Domingos pachorrentos levei duas amigas ao cinema para ver “Confissões de um Shopaholic” (nota de rodapé: sim, sou fútil. E cada vez mais faço questão de o ser. Não tenho paciência para massacrar o Tico e o Teco com filmes pseudo-intelectuais depois de uma semana de trabalhos forçados). Saí da sala sensibilizada com os perigos da uma vida financeiramente libertina, velei pela boa saúde do meu crédito pessoal e aconselhei as minhas amigas a fazer o mesmo. Mas mal virei a esquina do shopping e vi o cartaz que anunciava promoções na sapataria comecei a correr que nem uma tresloucada e deixei as duas meninas ali paradas em pleno corredor, abismadas com a minha velocidade em cima de saltos altos. Resultado: umas fantásticas sandálias pretas, em pele, a amarar na perna, com 70% de desconto. Senti-me mal? Nem por isso… afinal, se as comprei em promoção acabei por cumprir os mandamentos que o filme me ensinou.
Há um par de semanas, quando me preparara para mais uma das minhas entediantes viagens em trabalho, cumpri o ritual de passar pelo Duty Free do aeroporto. E achei que a miséria que me esperava no destino (é bem sabido que até à data eu não era - sublinho, não ERA – germanófila) autorizei-me a mim própria a exceder o orçamento habitual das compras de viajante. Em boa verdade ia apenas atacar o sector dos cremes de rosto, único luxo que nem a senhora minha mãe me recrimina, porque, afinal, todas temos pavor em ficar velhinhas. Cremes para o pescoço e para os olhos são, em bom rigor, quase medicamentos. Salvam vidas pelo menos. Mas o maior infortúnio é que para chegar ao departamento dos cremes tive que passar pelo departamento da maquilhagem. Tive que passar. Bem…. Ter, ter, o que se diz “ter”… eu não tinha. Mas era uma das possibilidades. E se era possível passar pelo corredor da make up… pois, eu passei… Ninguém diga nada! Atire a primeira pedra aquele que nunca se entregou aos prazeres dos batons e dos blushs. Pois bem, descobri que o vermelho Channel é diferente de todos os outros vermelhos dos milhentos outros batons que existem no mundo, e que existe uma escova de rímel especialmente vocacionada para revirar as pontas, e que a ciência já produz correctores que camuflam olheiras com as quais poderíamos até tropeçar! Ora, depois de descobrir tantas maravilhas compreenderão que as não poderia ignorar e fui forçada a ceder aos benefícios da ciência
Quando a minha conta ultrapassava já o valor do orçamento integral que me tinham atribuído para a dita viagem ouvi subitamente uma voz: “Vera”. Primeiro baixinho, depois aos gritos: “VERA”. Acham que era a minha consciência? Não. Era antes um relogiozinho dourado da Guess, que me seduzia da sua pequena caixinha de vidro. Tive que lá ir. Quem não iria? Fui lá e mostrei-lhe quem mandava…. Ele, pois claro. Tive que o comprar. Eu, que tenho um daqueles irritantes pulsos fininhos onde relógios e pulseiras costumam dançar o mambo, ainda me alimentei da fugaz esperança que o dito caísse do braço e se estatelasse no chão, mas nem essa prece me foi atendida. É que afinal o bicho era composto por pequenas fracções que se desmontavam, de modo que bastou um ligeiro ajuste para me servir na perfeição, tal qual um relógio de cristal no pulso da Cinderela. Preparava-me para pagar quando a menina da caixa me perguntou pelo cartão de passageiro frequente, explicando-lhe que iria reportar o valor das compras à minha conta de milhas. Olhei-a, estupefacta (ou seja… estúpida) e respondi, no tom mais ofendido que me saiu: “Não posso crer! Há tantos anos a comprar coisas no Duty Free e a gastar milhares de euros e só hoje em avisam disso. Eu já poderia ter acumulado milhas e milhas com esse expediente! Como é nunca me informaram disso?”.
“Esta enganada minha senhora. Ainda da última vez que aqui esteve lhe disse isto”, respondeu-me ela. Silêncio. Uhhhhhhhhhhh!!!!! Quarta dimensão!!!!! Da última vez que lá tinha estado???? Mal ela… recordava-se de mim????
“Desculpe? “ – perguntei eu, com a maior cara de sonsa da História – “mas a senhora recorda-se de mim?”. “Claro que sim, vejo-a aqui muitas vezes a comprar coisas”. “Tem a certeza de que era eu?”, insisti, na tentativa de desarmar aquela vergonhosa mentira de eu ser uma compradora compulsiva. “Tenho” (resposta convicta).
E agora o meu momento de auge, o toque do verdadeiro artista: “Olhe que já me têm dito que anda por aí muita gente parecida comigo”. “Não minha senhora, recordo-me perfeitamente. Foi há cerca de três semanas e comprou um par de perfumes”.
Ui... o rumor bate certo com a realidade. Três, semanas, Cancun, o Gucci e o Coco Mademoiselle.
Cabisbaixa, humilhada, dilacerada, uma autêntica dama das Camélias a definhar sob o peso da tuberculose das compras, saquei do cartão de plástico, marquei o código e reflecti sobre os meus devaneios coquettes. O meu patético desespero só foi interrompido por uma voz que gritava o meu nome no altifalante do aeroporto, avisando-me de que aquele seria o último aviso para o embarque. Com a mochila do PC às costas, um saco de compras em cada mão e umas botas de cano alto de verniz, desato a correr pelos corredores do aeroporto. Lei de Murphy: a porta de embarque fica logo à entrada, excepto quando o avião está prestes a partir. Já aqui gabei o meu dom para correr em saltos altos, mas nunca é demais referir que se houvesse um campeonato mundial a medalha de ouro seria minha.
Já me imaginava a perder o avião, a ser chamada a dar explicações acerca desta falha imperdoável… “Sabe senhor Doutor, a culpa é do rouge da Channel…. e dos relógio dourados….”. Não me parece que esta resposta sensibilizasse alguma alma…
Moral da história: não pedi o avião, mas fui a última a embarcar, sob o olhar de censura dos restantes passageiros e do pessoal da TAP que, certamente, me condecorou nesse dia com a honra de persona non grata em matérias de voos.
Porque vos contos isto? Porque tenho passado os últimos anos a compensar as minhas desventuras amorosas e desgastes emocionais com compras, mais ou menos necessárias (diria “menos”), mais ou menos exorbitantes (diria “mais”). Será que ainda acredito que posso comprar o amor juntamente embrulhando em papel de seda, dentro de uma caixa de sapatos? Será que tops sem costas acabam por me tapar o frio nas noites de Inverno, há falta de quem me aqueça? Não nego que continuo compradora mesmo em tempos de maior estabilidade emocional. Está no meu ADN e contra a biologia não vale a pena lutar. Mas nesses momentos sou como aquele alcoólico que não vai para além do copo de vinho à refeição e da bebedeira semanal. Já em momentos de desgosto de amor vivo inebriada por sacos de compras.
O problema é que, à medida que o espaço da minha casa se torna pequeno para todas as aquisições, também a minha conta bancária diminui de dígitos. Sem que daqui derive algum paliativo emocional, alguma mais-valia para a pessoa que sou. Convenhamos: não há carteira de marca que funcione como penso para a alma. Mas enquanto o príncipe perfeito não chega sempre haverá por aí, algures, um parzinho de sapatos à espera do meu pezinho. E esses, pelo menos, nunca me trocaram por outro pé menos elegante que o meu.
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tu,pelo menos,tens uma justificação.outras há que nem isso...
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