quarta-feira, 30 de setembro de 2009

BAD BOYS


Desde tempos imemoriais que as mulheres gostam de bad boys. Por algum motivo as princesas abriram as portas da torre aos príncipes que matavam dragões com as suas lanças e não àqueles que faziam festinhas aos bichinhos e lhes davam leitinho.
Ainda hoje são os maus rapazes que nos dão volta à cabeça. Recordo uma amiga que, perfeitamente desesperada, me falava do seu dilema durante um jantar: ficar com o homem que a tratava como uma princesa, ou com o sacana que a desprezava? O primeiro era um tipo amável e gentil, que queria conhecer a filha dela, pormenor este capaz de derreter qualquer mulher. Para evitar que a coitadinha se levantasse e fosse a correr para a casa lavar a cabeça com o seu champô especial para cabelos pintados e untar-se com o seu creme especial para peles secas, chegara ao ponto de encher o armário da casa de banho dele (e todas sabemos como eles veneram o espaço dos respectivos armários, com os diversos frascos de after-shave e comprimidos comprados pelas mamãs) com os ditos produtos, tudo da melhor qualidade, e especificamente dirigidos para mulheres de cabelos pintados e pele seca. Já o outro… bem, o outro, tinha namorada, ou melhor, tinha “espécies de namoradas”, recebia telefonemas estranhos durante a noite, ignorava-a em público, tratava-a com rispidez e aparecia e desaparecia conforme lhe desse na cabeça. Porém, ele era um bad boy, de modo que todas estas gafes se tornavam aspectos deliciosos de um rufia da pior espécie.
Que digo eu disto? Been there, done that… and than I grew up.
Tive a minha época áurea de maus rapazes, onde qualquer tipo que desafiasse a ordem estabelecida e se tornasse inacessível aos meus encantos me parecia a 8.ª maravilha do mundo. Assim se explica que tenha aguentado um namorado libanês que só faltou enfiar-me numa burka, ou um outro que me traiu com meia cidade e tentou com outra meia. E eu perdoava constantemente, na esperança de ser eu, euzinha, a tornar aqueles meninos maus em meninos bons. Porque acho que no fundo é isso que nos leva a gostar deles: a expectativa de sermos salvadoras da pátria, heroínas nacionais de um coração rebelde.
Gente problemática é muito mais interessante do que gente com boa onda. Vejam-se os romances de filmes e livros: não há histórias de amor que nos falem de relações pacificas e felizes. São todos amores tortuosos, com parceiros abusivos, cheios de traumas de infâncias, que descarregam nas virtuosas donzelas ódios pela mãe, pela prima, pela tia e pela avó. Se nos filmes é assim, é óbvio, mas óbvio mesmo, que na vida real não pode ser de outra forma. As mulheres gostam de coisas complicadas. Por isso procuramos relações que nos fazem viver no abismo, onde nunca sabemos o que pode acontecer, não sabemos onde pode ele estar, com quem, em suma, quando nos vai deixar. E é esta adrenalina que vai alimentado a nossa paixão, há falta de alguma coisa mais substancial que o faça.
E quanto mais inteligentes são as mulheres, maior o grau de complicação que procuram. Dito isto, confesso que devo estar a “desinteligentar”. Porque hoje em dia o que me arrepia são os bons rapazes. Os que nos revelam valores e princípios que nós desejaríamos ter. Os que nos levam o pequeno-almoço à cama. Os que aguentam pacificamente as nossas horas de compras sentadinhos na esplanada, prestes a definhar. Os que desmarcam jantaradas com amigos só para nos fazer festinhas na barriga porque estamos doentes. Hoje que vão até ao fim do mundo para comprar o champô que melhor cuida dos nossos caracóis. Hoje acho isso tremendamente apelativo aos sentidos
Ainda me recordo da noite em que jantava com o meu “good boy” e lhe perguntei porque carga de água tinha decidido agora, já trintão e com uma carreira estabelecida, mudar completamente de vida e tirar finalmente o curso que sempre sonhara desde pequenino. Enfim, porque não o tinha feito logo com 18 anos, como o comum dos mortais, e perdera tanto tampo num trabalho que não apreciava particularmente? “Porque o curso é caríssimo – respondeu ele – e depois de tudo o que os meus pais fizeram por mim não lhes podia impor mais este encargo absurdo”. E eu babei. Note-se que não foi por causa do bolo de chocolate que tinha à frente, mas por causa da rectidão moral do homem que tinha à frente.
Não há coisa mais sexy do que gente com valores, que sabe bem de onde vem e para onde vai, que me olha como uma princesa e que trata os dragões que tenho comigo (e já são 4) como se fossem bichinhos de estimação.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

SE EU TIVESSE QUE CONQUISTAR UM HOMEM PELO ESTÔMAGO…


Ouvi dizer que há por aí mulheres prendadas, que sabem cozer os buracos das meias e limpar o pó atrás dos móveis. Eu não sou uma delas. Os meus fracos triunfos de sexo fraco (gosto sempre de dar estas borlas aos meus amiguinhos mais machos…whatever that means) resumem-se a caminhar pelos passeios com um leve bambolear de ancas em cima de uns vertiginosos saltos. E depois, “prontos”, digo uma coisas, escrevo uma coisas, parece que até falo de politica internacional e de engenharia genética, mas fico-me por aqui.
Uma das maiores frustrações da minha existência Barberiana reside na debilidade culinária que me atormenta. Digamos que eu com tachos nas mãos sou como o Rockembach com uma bola nos pés: não funciono nem nunca funcionei. O que não seria emocionalmente devastador se não fosse o meu desejo de ser o Liedson das cozinhas.
Admito que sou um autêntico chef de culinária quando se trata de misturar iogurtes com cereais e meter refeições pré-congeladas no forno. E, justo crédito me seja dado, faço umas sandochas de atum com ketchup que…upa!upa! Mas quando nos movemos para o domínio da home-made cooking escondo a cara no meio dos caracóis.
Compreenderão agora o meu desespero quando me vi na continência de preparar um jantar romântico. Caramba, para que fui eu voluntariar-me? Porque não sugeri imediatamente um tete a tete à luz das velas num recanto bonito, com ementa, travessas a ir e vir, e empregados de avental branco? Porque eu gosto de viver perigosamente.
E lá andei eu, pela internet, a rebuscar receitas. É que as senhoras nossas mães tinham livros próprios para isso, ou então aprenderam com as mães delas. Mas como durante o meu crescimento sempre fui mais dada às lides intelectuais do que às domésticas cheguei aos 33 anos sem conseguir estrelas um ovo. Não estou a brincar. Não consigo mesmo. Tenho medo que o óleo quente me salte para cima de modo que me mantenho a uma distância suficientemente segura para deixar a salvo de queimaduras a minha alva pele de bebé mas, ao mesmo tempo, suficientemente longe para deixar esturricar o bicho na frigideira.
Depois de escolhida a ementa – algo sexy, com um toque afrodisíaco, onde sabores salgados se misturem com sabores doces – meto mãos à obra. Devo dizer que comecei de manhã, porque temi os inúmeros perigos que me esperavam. Em última instância estava preparada para o take away. Poupo-vos os pormenores macabros da empreitada. Posso dizer-vos, porém, que manga seca avinagrada é coisa para se repetir. Esta iguaria saiu da minha cabecinha, depois de me informar sobre a conjugação de sabores. De seguida, arrisquei numa carne assada com mel, porque se sai bem ao Jamie Oliver não me podia falhar a mim. Aliás, foi mais difícil comprar a dita do que assá-la. É que eu nunca compro carne vermelha. De modo que não sei distinguir o que é para assar do que é para grelhar, o que suscitou algum burburinho e uma ou outra gargalhada, no talho. E note-se que me dei ao trabalho de fazer dois assados, porque eu não tenho culpa que o homem não coma carne branca nem ele tem culpa de eu não comer carne vermelha. Sobremesa? Muffins do Pingo Doce, pois então. Dois minutos no micro-ondas, plinf…. e lá foram eles para a mesa, rodeados por um puré de maçã frita com canela, que sempre desperta os sentidos mais libidinosos (e nunca se sabe o que poderia acontecer depois). Não tive coragem de chamar a mim os louros pelos bolinhos. Até porque a caixa de cartão com a fotografia dos mesmos sorria-me do topo do meu balde do lixo e não me deixava mentir.
Acho que a minha grande cartada foi mesmo a ambiance. Luz das velas, musica bem melosa escolhida a dedo enquanto terminava um parágrafo da tese, milhentas taças e tacinhas para molhos e molhinhos, os copos novos que comprei propositadamente. E, claro esta, a indumentária da menina, com muito espaço para a pele e pouco para a imaginação.
Moral da história: se eu tivesse que conquistar um homem pelo estômago bem lixada estaria, porque o mais certo seria morrer solteira.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Afinal, o Pai Natal não existe



Nunca acreditei no Pai Natal com aquela certeza com que se acreditam nas coisas quando temos 5 anos. Não que tenha sido uma criança precoce nesse sentido, mas acho que a minha veia materialista me ajudou a perceber desde cedo que quem comprava as Nancy’s (naquele tempo não havia Barbie’s) era a mamã. Mas se eu tivesse acreditado com firmeza no Pai Natal, e se um dia tivesse descoberto que afinal o único senhor velho e barrigudo da minha curta vida era o avô, certamente teria entrado em colapso nervoso. Porque é isso que acontece quando as nossas convicções mais profundas caem por terra.
Uma dessas convicções bem arreigadas entre os ventrículos e aurículos do nosso coração é a confiança que depositamos nos outros. E utilizo aqui o termo depósito no sentido próprio e jurídico da expressão, perdoem-me o que não são de direito. Diz o art. 1185.º do Código Civil que o contrato de depósito é aquele pelo qual “uma das parte entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida”. É disso mesmo que aqui se trata. Entregamos a alguém a nossa fé, a nossa lealdade, a nossa honestidade, em suma, o nosso coração, com a condição desse outro alguém restituir tudo isto (que não é coisa pouca) quando as circunstâncias ditarem a sua exigência. Que circunstâncias são essas? Nomeadamente, a perda da confiança. A quebra do elo. O fim.
A traição é como uma lâmina aguçada a espetar-se em nós. A primeira vez que tentei descrever esta dor saiu-me “a traição é como um tiro”, mas depressa percebi que isso sabe a pouco. Não que alguma vez tenha sofrido algum destes desastres. Mas no meu imaginário, feito de muitos filmes, um tiro é uma coisa rápida, bem mais indolor do que a lenta agonia de sentir a lâmina a espetar-se na carne. Quando a pessoa que nos atraiçoa é um amigo próximo, daqueles bem próximos, daqueles que são quase como uma parte de nós, é ainda pior, porque é como se a lâmina estivesse ferrugenta.
Depois de quebrada a confiança dificilmente ela pode ser restaurada. Todos somos livre de violar os nossos compromissos, não podemos é depois esperar que a contraparte deseje novamente comprometer-se connosco.
Gostar de alguém é acreditar. Em muita coisa, em grande parte coisas impossíveis. Mas acreditamos. Acreditamos que vai durar para sempre, que vamos ser respeitados e amados. Em regra, não dura. Mas a fé estava lá, fundada nesse laço de confiança que criámos que aqueles que nos cativam. E cativar alguém traz consigo uma grande responsabilidade, já dizia o Pequeno Príncipe. De velar pelo outro, de cuidar dele, de o proteger de todos os males no mundo. Quando tudo isso desaparece fica apenas uma cratera.
Perante este cenário dantesco a única opção é pedir a restituição, nas suas devidas condições, daquilo que entregámos em depósito. Queremos o nosso coração de volta. E não é que às vezes eles não no-lo entregam? Ou o entregam já defeituoso, cheio de buracos e carcomido?
Se o Pai Natal existisse o que eu fazia era pedir-lhe um coração novo. “Querido Pai Natal, podes por favor colocar no meu sapatinho, no próximo Natal, um coração novo para eu poder amar?” Só há dois problemas com esta minha solução. Primeiro, falta muito para o Natal, e até lá eu preciso de um coração que bombeei sangue para o meu 1,63 m de corpo. Depois, o Pai Natal não existe.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Desapareceu misteriosamente de minha vida…


Ela perguntava-me (de olhos bem abertos e, juraria eu, com uma lágrimas prestes a rebolar-lhe pela face) se eu acreditava naquilo. E eu acreditei. Porque chegada a esta idade e depois de ter visto o que vi (esta foi só para dar ares de mulher experiente) eu já acredito em tudo. Como podia eu duvidar que aquele homem tinha entrado subitamente na vida dela, sem súplicas de compromisso nem algemas de presença, para depois desaparecer ainda mais repentinamente? Tenho motivos par não acreditar que se tenha recusado a qualquer conversa explicativa, nem sequer lhe atendendo o telefone? Como posso eu duvidar, se já ouvi (e até vivi) histórias destas.
E enquanto ela falava, aninhada no meu sofá, com as palavras a tropeçar-lhe na boca, eu só conseguia pensar num trecho televisivo que me acompanhou enquanto crescia. Rezava assim: “Desapareceu misteriosamente de sua casa fulano tal e tal, no dia tantos do tanto. Vesti na altura camisa assim e calças assado. A quem souber do seu paradeiro pede-se que informe…”. Recordo-me de medir menos de metro e meio e de assistir a este anúncio na televisão enquanto jantava. Sempre enquanto jantava. Como se aquele momento familiar fosse uma boa altura para nos recordar que algures por aí existia um elo fora da corrente. Aqueles que já passaram os 20 anos partilharão certamente comigo esta memória: os avisos de desaparecimentos emitidos pela Policia Judiciária na televisão estatal, a única existente à data.
O que se passa é que esses desaparecimento diziam em regra respeito a homens de idade avançada, e de não menos avançado estado de demência. Nos de hoje a demência mantém-se (não quero ser rude, mas só pode ser psicopatia), mas os homens estão em idade de acasalar e, pelos vistos, sofrem de uma enorme incapacidade em encarar essa circunstância.
Entram de rompante nas nossas vidas, sem o pedirmos. Enche-nos de mimos e de flores. Alguns apresentam-nos até às famílias. Arrastam-se atrás de nós como cães sem dono, indiferentes ou imunes ao (por vezes aparente) desprezo com que os brindamos. E depois um dia… nada. Primeiro inventam que o cão da prima da tia da avó foi atropelado, e por isso não podem vir jantar. Depois, deixam de ligar. Finalmente, deixam de nos atender. E aqui emergem uma série de dados curiosos e perguntas por responder. Como é que um homem que parecia beber o ar que eu respiro perde instantaneamente o interesse? E porque é que eu, que me sentia até incomodada com aquela sombra constante atrás, dou por mim a sentir a sua falta? Mas, mais importante: porque é que ele nem sequer os tem no sítio para me explicar o desaparecimento?
Note-se que qualquer um de nós é livre de fazer o que bem entenda e gostar de quem lhe dê na realíssima gana. O 25 de Abril trouxe-nos a liberdade política, mas há muito que a liberdade emocional fez a sua revolução. Não podemos exigir que ele esteja aqui connosco. Mas podemos exigir uma explicação. Uma razão. Que não gosta de nós. Que perdeu a pica. Que conheceu uma modelo de 1,80m. Que descobriu que afinal é gay. Que lhe apareceu uma borbulha no lábio e não poderá dar beijos durante os próximos 4 anos. Sei lá, qualquer coisa. Mas que apareça, que dê sinais de si, que mostre algum respeito por quem está do outro lado.
Eu própria já desapareci. E não me orgulho disso. Creio que lhe dei uma explicação concludente, mas nem disso estou certa. Porque o fiz? Porque a sua mera presença me dava urticária. E foi mais ou menos isto que lhe disse. Sei que não é muito explícito, mas nem eu própria sabia mais do que isto. O importante, sublinho, é que eu apareci. Tive a tal conversa. Quero com isto dizer o que já repeti milhentas vezes: eu tenho-os mais no sitio do que quem nasceu com eles.
Durante estas minhas reflexões ela continuava agitadamente a falar. E a atirar hipótese para o ar. E se…? E se esse…? E a massacrar-se por pensar que a culpa fora dela. Pode a situação ser mais surreal?
Novo anúncio: “Desapareceu subitamente de minha vida um homem que eu nem queria nela presente. Nem me recordo do que vestia na altura. Agradece-se a quem tiver notícias dele que as guarde para si porque eu, francamente, estou-me nas tintas”.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A DECISÃO INCOMPREENSIVEL DE QUEM POUCO COMPREENDE


Não tenho nada nem contra nem a favor dos gays. Enfim, corrijo, tenho algumas coisas contra. Irrita-me solenemente que os melhore jogadores do campeonato joguem na sua equipa, que sejam os mais bem-vestidos das festas e que tenham um impecável gosto pela decoração. Não poderiam ter isso tudo e ainda assim gostarem de mim também? Se assim fosse, seriam perfeitos. Como não o é, irritam-me solenemente.
Este meu sentimentozinho de vingançazinha está, de resto, bastante difundido na sociedade. Irrita-nos tudo o que não é como nós gostaríamos e todos os que não fazem aquilo que desejaríamos. Assim explico eu que as leis da maior parte dos países impeçam os homossexuais de adoptar e que pais que tenham assumido essa opção sexual nem tivessem sido ponderados para efeitos de poder paternal e, inclusive, judicialmente impedidos de visitar os filhos.
Agora, o refugo da silly season brindou-nos com outra notícia para nos fazer pensar nestas coisas: Sir Elton John e o seu companheiro pretendiam adoptar um rapaz de 14 anos, seropositivo, que vivia numa instituição ucraniana, e foi impedido pelo governo do país, que alegou que Elton John não só não tinha família constituída como, além disso, ultrapassava a idade fixada na lei nacional para adoptar.
O segundo argumento vale o que vale. A maior parte dos ordenamentos jurídicos determina uma idade máxima para os adoptantes, que podemos discutir, e que no caso é discutível, porque não me chegam aos ouvidos que pais de idade mais avançada sejam necessariamente inaptos, como aliás o demonstram as inúmeras histórias de crianças educadas por avós.
Já o primeiro argumento esconde na verdade um terceiro, que o governo não disse. Como poderia? Seria politicamente perigoso faze-lo, atendendo aos poderosos lobbies gays que se começam a formar. É que, como ninguém esconde, e muito menos ele, Sir Elton John é gay. Bicha. Laricas. Maricas. Paneleiro. Essas coisas todas simpáticas com que brindamos aquilo que não compreendemos.
Ora, todos sabemos que o melhor critério para aferir um bom pai é a sua orientação sexual. Nem poderia ser de outra forma. Até porque circulam por aí estudos científicos que demonstram comprovadamente que os gays são todos um bando de pedófilos depravados. O problema, meus caros, é que eu nunca tive acesso a nenhum desses estudos nem nunca ninguém me conseguiu demonstrar com argumentos racionais (racionais, note-se, não motivações fundadas em preconceitos religiosos ou de consciência pessoal) que (agora por pontos, à boa maneira jurídica):
i) Pais homossexuais tragam para o mundo filhos homossexuais;
ii) A homossexualidade seja uma doença perniciosa a infectar a sociedade;
iii) Os homossexuais sejam pedófilos.
No dia em que alguém me demonstrar isto eu assino por baixo da decisão do governo ucraniano. Sou uma pessoa razoável (razoavelmente teimosa, diriam alguns) e quando me demonstram que estou errada sou capaz de o reconhecer. Mas enquanto estivermos a falar de duendes, histórias de faz-de-conta e gente maléfica que gosta de pessoas do mesmo sexo, não contem comigo para assinar o que seja. Muitos menos para passar certificados de verdade cientifica e jurídica a convicções fundadas no temor daquilo que ultrapassa as nossas o nosso curto entendimento.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

ESPÉCIE: HOMINAE SALTUS ALTUS


Nos primórdios dos tempos, quando os nossos antepassados apareceram na face da Terra, gatinhavam com as 4 patas. Paulatinamente, por motivos que ainda hoje escapam à ciência, começaram a usar apenas os membros posteriores para se equilibrar e desse modo chegámos ao Homo Erectus. Mas eis que passados muitos milhares de anos se aperceberam que apoiando apenas as pontas dos pés no chão ficavam com corpos mais esbeltos e assim apareceu a maior invenção do mundo, a seguir à roda e aos gelados: o salto alto. Parece que no inicio não era apanágio feminino. Mas, convenhamos, nessa altura os homens usavam perucas aos canudos e pó de arroz no rosto, o que não era particularmente abonatório da sua masculinidade (eu ainda acho que homem que é homem não usa coisas de meninas, excepto se for escocês, e aí está autorizado a andar de saia, desde que sem boxers por baixo).
Hoje reivindicámos para nós os saltos altos. Eu, particularmente, reivindiquei para mim a pertença a essa espécie curiosa que prefere arriscar-se a torcer um tornozelo a arrastar os calcanhares pelo chão. E todos os que me conhecem sabem desta minha…particularidade, vá lá. Por isso não escondi o espanto quanto ontem à noite uma amiga, com quem partilharei hoje jantar, me escreve no msn: “Ah, um pormenor, traz sapatos rasos porque te quero levar a um sítio e o caminho até lá não é fácil”. Silêncio. Nem toquei nas teclas. Mas ergui o sobrolho. “Ó miúda, saltos rasos??? Mas queres que eu vá comprar uns?”. Não me compreendam mal, eu tenho sapatos rasos, divididos em três grandes grupos: sapatilhas para o ginásio, havaianas para a praia e sabrinas, para o que der e vier. Aliás, durante o dia, e excepto o período laboral, a minha regra é ser rasa. Compreendo que uma medica não faça operações enfiada em botins de camurça ou em pumps de cabedal com saltos assassinos, mas compreendam vocês que eu não sinto confortável a assistir a reuniões sendo a mais baixinha da sala. Chego a ir trabalhar de sabrinas calçadas e os saltos altos na bolsa, ou bem enfiados na pasta do PC e, à boa maneira dos Estates, mudar-me na casa de banho ou no elevador. Mas… sair à noite??? A noite pede saltos altos. A única excepção é a queima das fitas de Coimbra (by the way… há outra?), porque o parque não perdoa e os saltos se enterram imediatamente na terra empapada em vómito. Mas, fora disso, quanto mais alto melhor.
Porquê? Porque eu sou pequenina e gosto de ver o está para lá da linha do horizonte. Porque as pernas ficam incomensuravelmente mais bonitas em cima de 10cm. E porque quando se tem um namorado alto e se usa sapato raso arriscamo-nos a parecer o Frankenstein e o Igor: ele um Frankenstein lindo de morrer e eu um Igor baixote a atarracado.
Por isso, aborrecem-me à vontade com tornozelos partidos, dores nos ossos, lentidão no andar, saltos presos nas calças. Se eu não critico quem anda de salto raso, porque me criticam a mim? Cada um empoleira-se onde lhe der na realíssima gana, desde que não ande por aí a pisar pessoas ou cocós de cão. E eu, fazendo jus à minha espécie, olho para o mundo do alto dos meus 10cm de salto.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O PLANO B

Há muitos dias atrás (não sei se meses se anos, é como se o relógio do tempo se tivesse derretido quanto a esse período da minha vida) alguém me avisou que eu deveria ter um plano B.
E eu, que era naif e estava apaixonada, olhei-o como se ele me falasse da descida da Virgem Maria à terra. Um plano B?
Sim, um plano para o caso das coisas correrem mal entre nós, respondeu ele.
Nesse momento fiquei renitente, quase magoada com tamanha falta de fé (isto vindo de mim, que sou agnóstica). Mas hoje tenho esse conselho como uma das minhas maiores lições de vida. De facto, há que ter sempre um plano B. Porque as pessoas falham. Os sentimentos falham. E nós temos que cair de pé. Como um gato. Não sobre as 4 patas, mas sobre os 2 pés e os 2 sapatos.
Não quer isto dizer que não se goste. Ou sequer se que goste menos. Mas não nos devemos dar por inteiro. Nem acreditar por inteiro. Nem confiar por inteiro.
Penso que é do conhecimento público que eu sou estupidamente fiel. Quase me torno aborrecida com tamanha monogamia. Por principio e por gosto. Acho sexy, e “prontos”. Mas hoje tento rodear-me de pessoas que me possam fazer feliz na súbita ausência do outro. Porque, acreditem, o outro vai-se ausentar. E não tem que ser sequer por motivo de força maior. Basta que invoque assuntos familiares ou reivindique a vida perdida de homem sem vínculos. E quando isso acontecer temos que permanecer firmes. Como a torre de Pisa, podemos inclinar-nos um pouco (o peso da tristeza não é de desprezar), mas há continuar a inspirar e a expirar.
O plano B é conhecer pessoas, estar aberto ao que têm para nos dizer, acreditar que podem ser igualmente interessantes. É poder ter opções. É alargar a vista para além da sombra dele ou dela.
Ele vai viajar com um amigo? Pois eu vou de fim-de-semana com uma amiga. Ele reserva o sábado para o “almoço/lanche/jantar” de família (e todos sabemos que os primos distantes e as namoradas dos irmãos são mais importantes do que as namoradas)? Pois eu aproveito para ir o ginásio pôr-me bonita para o que der e vier. Ele vai passar férias sem mim, quando sabe que eu só não deixo o cansaço vencer-me porque detesto que me levem a melhor? Pois eu decido aceitar o tal convite que se arrasta há séculos.
Sou menos fiel assim? Nunca. Sou menos romântica? Tento não o ser. Sou menos ingénua? Sem dúvida. Sou mais esperta? Só tento sobreviver.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Porque é que a TV CABO me dá náuseas

Vivo sozinha. Corrijo. Vivo sozinha quando não estou acompanhada pelos técnicos da TV CABO. É que a TV CABO é uma empresa que tem os seus clientes em tão elevada consideração que quando nos pressente mais sozinhos logo cria motivos capazes de justificar a presença assídua de técnicos, a tal ponto que já meti mais um prato na mesa para os fazer sentir confortáveis. Ora é ó telefone que fica mudo, ora a internet que cai de 5 em 5 segundos, ora a televisão que faz um ruído tão ensurdecedor que me deixou os ouvidos a apitar durante dias. As hipóteses são múltiplas.

Face a tudo isto já me perguntaram várias vezes porque não deixo, pura e simplesmente, de ser cliente. Um dos motivos é óbvio: estando a empresa em situação de quase-monópolio torna-se complicado escapar às malhas da Piovra.

Mas, mais do que isso, nesta altura do campeonato parece-me que deixar de ser cliente era a saída fácil, mas que não satisfaria a minha revolta. Perder um cliente não é muito. Mas ter um cliente como eu à perna pode conduzir a suicídios. É que eu, tendo eu dois cromossomas X, tenho a capacidade de me ocupar (e com sucesso) de duas tarefas ao mesmo tempo. Assim, consigo escrever a tese e ao mesmo tempo insultá-los ao telefone. Ou seja, posso perfeitamente passar o dia ao telefone a ocupar-lhes as linhas.

Conto até uma história para ilustrar esta minha tenacidade em não abandonar a TV CABO. Há alguns anos mudaram-me as condições do contrato sem ter sido previamente avisada que aquilo que eu contratara era apenas uma promoção, quando eu pensava tratar-se de condições que vigorariam durante toda a relação contratual. Depois de uma hora na loja em amigável conversa com um torturado funcionário (posso revelar que a certa altura me disse, de olhos húmidos: “A senhora está a ser má para mim!”) lá veio a gerente de loja, ou lá o que se chama a essa meninas aperaltadas que acham que ser responsável por uma loja TV CABO está logo abaixo de ser presidente do mundo. E lá vem ela, pronta a enfrentar a Fera. No caso, a Vera. E explicou-me que as condições que me queriam impingir estavam no meu contrato. Contrato? Qual contrato? (Papel? Qual papel? O papel). Pois se eu, como praticamente todos nós, apenas contactara telefonicamente com a TV CABO, o meu contrato era, puramente ,verbal. Não havia condições escritas com a minha assinatura por baixo. “Não, a senhora tem um contrato escrito connosco”, garantiu-me a esperta da menina. E eu, ingenuamente, saquei da mala o documento que o técnico que instalara o serviço deixara lá a casa, a certificar a sua presença. “Está a referir-se a isto?”, perguntei eu. “É isto o contrato?”, indaguei, de olhos bem abertos e com ar patético. “Sim, minha senhora, esse é o contrato”. – Respondeu ela, satisfeita por se conspurcar na minha suposta estupidez. “Bem – e veio ao de cima o meu melhor tom paternalista – isto não me parece que seja um contrato. Mais, atrevo-me a dizer que não é. Sabe porquê? Porque eu sou jurista. Melhor, eu crio juristas. E chumbo quem me diga que este papelinho é um contrato”.

Pontos nos i’s a menina tornou-se imediatamente mais simpática. Mas eu não. Eu ainda agora começara. E depois de uma dura batalha, quando já abandonava o edifício (Elvis left the building) virei-me para trás e disse:

“Nesta altura do campeonato os senhores já estão desertos de me ver pelas costas. Clientes como eu dão mais dores de cabeça do que lucro. Mas vou-lhe dizer o seguinte: isto tornou-se pessoal. Por conseguinte, eu só vos deixo em paz no dia em que as vacas tossirem. Ora, a senhora não sabe, que é limitada, mas eu esclareço-a: as vacas não tossem. Logo, vão ter-me à perna uma infinidade de anos”.

Tenho dito.

Por isso não largo a TV Cabo. Por isso, não perdoo as falhas da TV CABO. Por isso espalho pelo mundo a incompetência e baixo nível da TV CABO.

É que as vacas não tossem…