sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
MOMENTOS NA VIDA DE UMA BARBIE
Descobri que o talk-show da Tyra Banks passa logo pela manhã no canal das meninas. Ainda para mais fiz esta descoberta genial no dia em que ela nos ensinava como encontrar o homem perfeito. Imperdível!
De modo que, enquanto me enchia de pão (integral) com compota e leite (de soja) com chocolate tentava ao mesmo tempo decifrar os misteriosos enigmas da mente masculina. Era o pequeno-almoço perfeito: euzinha, a Tyra e autênticas lições de vida.
De repente engoli de um trago... ups!!! A conferência. Entusiasmada como estava com a hipótese do homem/príncipe/não-sapo nem dei conta de como o tempo passara depressa e dei por mim atrassadérrima (acho estes “érrimos” à tia do mais chique que há) para uma conferencia onde, vá-se lá saber porquê, participava eu com a minha palestrazinha sobre um desses temas comezinhos e consensuais de que tanto gosto de falar: comunicação social (ui!), segredo de justiça (ui, ui!) e escutas telefónicas (agora faltam-me “uis”). Caramba, que raio de dilema: desligar a televisão e ficar sem saber como encontrar o meu príncipe ou, em contrapartida, mentalizar-me intelectualmente para falar perante um auditório inteiro sobre um tema que estudava afincadamente desde há semanas. A muito custo desliguei a TV e pus-me a caminho, argumentando e contra-argumentando comigo própria sobre as várias questões de que tencionava falar. E como se isto não bastasse, chego lá e dizem-me que afinal, além do vasto auditório, me espera um público maior, porque afinal contam comigo para uma entrevista na televisão nacional. “Sobre?” , perguntei eu, na vã expectativa que o tema fossem sapatos, malas ou sobremesas de dietas, tópicos nos quais sou versadíssima: “Segredo de justiça”, dizem-me, como se a reposta fosse óbvia. Mas porque é que nunca ninguém me pediu para dar uma conferência sobre um daqueles assuntos? Será que não há quem se interesse por eles?... Hum….
É muito difícil para uma mulher ser uma Barbie nos dias de hoje. Eu bem quero dar asas à futilidade e preocupar-me apenas com coisinhas pequeninas e leves. Mas não, caem-me sempre em cima estas questões contundentes, densas, e algumas terrivelmente entediantes.
Convenhamos: não há nenhuma lei que me proíba de saber ler, escrever e contar até 10 (e umas coisinhitas mais) e, ao mesmo tempo, ser coquette, gostar de tolices, de dizer alarvidades intelectuais e de tardes de compras, cheias de tops brilhantes e calças justas. Onde é que está escrito que toda a mulher com cérebro activo é forçada a vestir-se como a avó? O que eu quero é as roupas da Madonna (no seus dias mais castos, se é que isso existe).
Fosse eu uma daquelas meninas que nas discotecas fazem publicidade a bebidas de cores estranhas e já nem ninguém estanharia os meus devaneios de Barbie. Mas como tive o azar de nascer com dois dedos de testa e parece-me que estou fadada a tratar de coisas sérias, a ser circunspecta, a ter conversas austeras, e a assumir sempre comportamentos dignos de tal. Ora, eu só quero ser eu.
E por muito interessante que me pareça o segredo de justiça, e documentários sobre a ex-União Soviética, e debates políticos na SIC, e filmes franceses com histórias que ninguém entende e onde tudo se passa a 10km à hora, a verdade é que, ao fim do dia, só já tenho cabeça para fast food intelectual. Dêem-me uma sitcom que não me faça pensar ou um show sobre bisbilhotices da vida das celebridades. Quero programas de moda e comédias com teenagers. Passe-me a Elle e a Vogue, que, apesar de tudo, sempre me pareceram leitura mais elevada do que a Maria. Deixem-me encher a mala (tamanho XL, como convém) baton e espelhos de bolso. de Enfim, deixem-me ser uma Barbie, nem que seja por um bocadinho.
Passar o Domingo no Museu, ou a debater filosofia existencialista, será certamente muito estimulante. Divertido, arrisco mesmo. Mas depois de uma semana inteira a dar o melhor de mim numa profissão intelectualmente extenuante, e mais ainda, a discutir coisas que passam ao lado do comum dos mortais, eu só quero mesmo vestir a micro-mini-saia e sair para dançar, ou deitar-me no sofá a ver na TV os filmes lamechas de Domingo à tarde. Arrisco até a dizer que sou bem capaz de engolir uma novela, desde que tenha uns tipos jeitosos.
Uma Barbie? Sim. E…? Alguém perde o sono com isso? Bem me basta a mim perder o sono esta noite por ter ficado sem as preciosas lições que toda a mulher deve saber sobre como encontrar o homem ideal.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
FIRST LOVE IS THE DEEPEST?
Lamentava-se há dias um amigo de como gostaria de ter sido alguma vez o primeiro amor da vida de alguém. Respondi-lhe que, se o não tinha sido até agora, já dificilmente o seria. É que depois dos trinta todos aqueles com quem nos deparamos pelo caminho já trazem consigo uma pesada bagagem emocional, e muitas vezes física. Ao lado de desgostos, alegrias, momentos de felicidade imensa, histórias mal contadas e, decididamente, mal terminadas, por vezes carregam ainda mulheres das quais se divorciaram e filhos dos quais nunca se vão divorciar (de modo que, quanto a estes, só temos duas hipóteses: ou os amamos e vivemos com eles ou os odiamos e vivemos com eles).
Isto para dizer que a utópica possibilidade de ser o primeiro amor de alguém vai diminuindo abruptamente com o decorrer do tempo, dada a quase total improbabilidade de aos 40 anos encontrar um espécime da nossa mesma idade que até então se tenha furtado a todo o tipo de contacto amoroso,
Mas, para além disso, quem quererá efectivamente ser o primeiro amor de alguém? Ou seja, escapa-me o interesse em ser o estádio inicial de um percurso que obviamente não vai terminar ali e, se terminar, tal deve-se a um erro crasso de julgamento de quem pensa que a pessoa que primeiro nos encanta vai ser aquela que mais nos encanta. Quando ficamos com a primeira coisa que nos surge pela frente nunca temos ponto de comparação. Pensamos que aquela é a melhor que existe, mas creio que secretamente se mantém o desejo de experimentar outras. Pode bem suceder que no final regressemos ao tal primeiro amor, mas só devemos tomar essa opção depois de arregalarmos os olhos para o mundo, nos apaixonarmos e desapaixonarmo-nos, e concluirmos por fim que aquele é o nosso lugar. Não podemos é ficar porque temos medo de partir.
Pela minha parte nunca quis ser um primeiro amor. Bem pelo contrário, quero ser o último. O último amor de alguém que já conheceu muitos outros na vida e que ao chegar a mim vai poder dizer, conhecedor do que existe por aí e do que viveu com essas outras pessoas, que eu sou aquela com quem quer ficar. Este juízo não pode ser feito nem aos 18 nem aos 20 anos, quando o nosso mundo é tão pequenino que qualquer presença o enche.
Quanto a mim, posso agora finalmente apreciar aquele com quem estou precisamente porque estive com outros antes. Mas segui o meu caminho sem eles. Do meu primeiro amor tenho recordações vagas. Nunca me vai desaparecer da memória, é certo. Não esqueço o meu primeiro beijo, tal como não esqueço a primeira vez que andei de avião ou que acordei de ressaca. Mas a verdade é que há muita gente que passou pela minha vida e que não consigo apagar. Não significa isto que tenham sido os meus maiores amores. A razão pode ser, simplesmente, terem sido os que mais me magoaram. Ou os que mais me mentiram. Há tantos motivos, e tão relevantes, pelos quais não esquecemos alguém que muitas vezes o motivo torna-se bem mais importante do que esse alguém.
Todos os amores são profundos enquanto duram. Não têm que ser bons. Podem ser profundamente maus. Os meus eleitos são os profundamente intensos. Depois de terminaram pode restar uma leve lembrança ou uma marca impressiva. Aqueles que nos marcam tornam-nos, umas vezes, melhores pessoas, outras vezes piores. Nunca ficamos exactamente iguais. É o conjunto de todas essas marcas, como uma manta de retalhos de paixões que o nosso amor presente vai encontrar. Esse amor presente é sempre o maior, o mais profundo, o mais intenso. E se o for o suficiente será também o último.
Isto para dizer que a utópica possibilidade de ser o primeiro amor de alguém vai diminuindo abruptamente com o decorrer do tempo, dada a quase total improbabilidade de aos 40 anos encontrar um espécime da nossa mesma idade que até então se tenha furtado a todo o tipo de contacto amoroso,
Mas, para além disso, quem quererá efectivamente ser o primeiro amor de alguém? Ou seja, escapa-me o interesse em ser o estádio inicial de um percurso que obviamente não vai terminar ali e, se terminar, tal deve-se a um erro crasso de julgamento de quem pensa que a pessoa que primeiro nos encanta vai ser aquela que mais nos encanta. Quando ficamos com a primeira coisa que nos surge pela frente nunca temos ponto de comparação. Pensamos que aquela é a melhor que existe, mas creio que secretamente se mantém o desejo de experimentar outras. Pode bem suceder que no final regressemos ao tal primeiro amor, mas só devemos tomar essa opção depois de arregalarmos os olhos para o mundo, nos apaixonarmos e desapaixonarmo-nos, e concluirmos por fim que aquele é o nosso lugar. Não podemos é ficar porque temos medo de partir.
Pela minha parte nunca quis ser um primeiro amor. Bem pelo contrário, quero ser o último. O último amor de alguém que já conheceu muitos outros na vida e que ao chegar a mim vai poder dizer, conhecedor do que existe por aí e do que viveu com essas outras pessoas, que eu sou aquela com quem quer ficar. Este juízo não pode ser feito nem aos 18 nem aos 20 anos, quando o nosso mundo é tão pequenino que qualquer presença o enche.
Quanto a mim, posso agora finalmente apreciar aquele com quem estou precisamente porque estive com outros antes. Mas segui o meu caminho sem eles. Do meu primeiro amor tenho recordações vagas. Nunca me vai desaparecer da memória, é certo. Não esqueço o meu primeiro beijo, tal como não esqueço a primeira vez que andei de avião ou que acordei de ressaca. Mas a verdade é que há muita gente que passou pela minha vida e que não consigo apagar. Não significa isto que tenham sido os meus maiores amores. A razão pode ser, simplesmente, terem sido os que mais me magoaram. Ou os que mais me mentiram. Há tantos motivos, e tão relevantes, pelos quais não esquecemos alguém que muitas vezes o motivo torna-se bem mais importante do que esse alguém.
Todos os amores são profundos enquanto duram. Não têm que ser bons. Podem ser profundamente maus. Os meus eleitos são os profundamente intensos. Depois de terminaram pode restar uma leve lembrança ou uma marca impressiva. Aqueles que nos marcam tornam-nos, umas vezes, melhores pessoas, outras vezes piores. Nunca ficamos exactamente iguais. É o conjunto de todas essas marcas, como uma manta de retalhos de paixões que o nosso amor presente vai encontrar. Esse amor presente é sempre o maior, o mais profundo, o mais intenso. E se o for o suficiente será também o último.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Vera Lúcia Lda., sociedade unipessoal, apresenta falência
Os saldos estão finalmente a terminar. E digo finalmente porque a empresa que se aloja dentro do meu corpo, gerida pelo Tico e pelo Teco, está prestes a apresentar falência. Esta lastimosa situação não se deve a má gestão, não senhora, mas sim a uma conjuntura altamente prejudicial: preços baixos aliados a bens de consumo, absolutamente necessários e absolutamente apetecíveis. Atire a primeira pedra quem nunca esgotou o plafond do cartão de crédito numa tarde de compras!
É certo que para fechar as portas dos meus armários tenho que depositar todo o meu peso do corpo (e quando digo todo, note-se que, falo de um peso pluma… que me caía já um raio em cima se estou a faltar à verdade) na porta, rezando para que não me caia em cima do nariz um vestido ou, pior ainda, um casaco de pêlo bem grosso, que sempre seria capaz de endireitar o arrebitamento do nariz.
Além do mais, o argumento da minha mãe de que eu só tenho um corpo (“e para que precisas tu de tanta roupa? Quantos corpos tens? Bla, bla, bla…) cai por terra quando nos lembramos de que o ano tem 365 dias, de modo que o meu único corpo precisa de ser coberto (nem que seja minimamente) durante dias, e dias, e dias, e dias…já sem contar com as vezes em que tenho que mudar de roupa várias vezes por dia.
E devo ainda acrescentar, em minha defesa, que muitos dos trapos pendurados nos cabides me custaram tanto quanto um almoço no MacDonals. Nasci com o dom de encontrar pechinchas no meio da maior confusão e abençoada com a paciência necessária para fazer peregrinações por dezenas de lojas até encontrar a peça ideal, ao preço ideal. Que isto de auferir um salário com poucos dígitos não permite grande margem de manobra e apela ao espírito criativo. Se para pagar a Gucci teria que me endividar até ao ponto de ser forçada a vender os óvulos, então, a Zara e Mango chegam muito bem. E em dias de celebração (a publicação de um artigo, o elogio de um professor, uma palestra bem-sucedida) sempre podemos celebrar com um pequeno luxo. De modo que a questão está em encontrar mais factores de celebração. Nesta altura do campeonato até a perda de um kilo já me chega para um festejo na casa das peles.
Tudo começou com a mudança para Lisboa. Apesar de não o ter planeado, a verdade é que no caminho de casa para o escritório sou forçada a passar em frente a autênticos antros de perdição para a minha conta bancária. Ora, como não posso mudar nem de casa nem de emprego tenho que viver com isso. Ainda resisti heroicamente durante os primeiros dias, mas na segunda semana decidi hastear a bandeira branca e pedir a rendição às forças demoníacos do consumismo e da vaidade. Que hei-de dizer? Sou uma mulher fácil. Basta que me acenem com uma pequena malinha da Guess e corro mais que o Obikwelo.
Depois veio a viagem a Nova York. Viagem em trabalho, note-se. Mas, novamente de forma totalmente não planeada, eis que chegamos à Grande Maçã em plena época de promoções. Já ouviram falar na Black Friday? Pois é bebé, eu e as meninas em NY no dia do crash dos preços. Quem iria perder a oportunidade de uma botas compradas na 5th Avenue, com 50% de desconto. E o burro sou eu?
Quando já tinha encerrado o plano das despesas sazonais, eis senão quando passo, inteiramente por acaso, numa certa e determinada rua, onde entro, inteiramente por acaso, numa certa e determinada loja e, de novo inteiramente por acaso, me perco no corredor de sapatos (ainda diz a outra que não há coincidências…), e meto os olhos no par de sapatos mais estonteante que alguma vez vira. Pensei logo que se aqueles sapatos fossem férteis queria ter filhos com eles. E pronto, tive que os trazer comigo para casa.
Não sou tonta ao ponto de achar que vivo mais feliz rodeada de tantos enfeites. Mas reconheço que sou suficientemente fútil para, naqueles dias em que acordo com uma nuvem negra a pairar sobre a cabeça, me sentir melhorzinha ao vestir o casaquinho justo de pele e o chapéu feito à mão, que por acaso encontrei numa rua de Bruxelas. Ao puxar o fecho para cima e ajustar as flores do chapéu na minha cabeça sinto-me a princesa mais importante do guarda-vestidos.
Reconheço que cheguei a gastar um salário mínimo numa peça de roupa. Mas, caramba, que culpa tenho eu do salário mínimo ser tão baixo?
É certo que para fechar as portas dos meus armários tenho que depositar todo o meu peso do corpo (e quando digo todo, note-se que, falo de um peso pluma… que me caía já um raio em cima se estou a faltar à verdade) na porta, rezando para que não me caia em cima do nariz um vestido ou, pior ainda, um casaco de pêlo bem grosso, que sempre seria capaz de endireitar o arrebitamento do nariz.
Além do mais, o argumento da minha mãe de que eu só tenho um corpo (“e para que precisas tu de tanta roupa? Quantos corpos tens? Bla, bla, bla…) cai por terra quando nos lembramos de que o ano tem 365 dias, de modo que o meu único corpo precisa de ser coberto (nem que seja minimamente) durante dias, e dias, e dias, e dias…já sem contar com as vezes em que tenho que mudar de roupa várias vezes por dia.
E devo ainda acrescentar, em minha defesa, que muitos dos trapos pendurados nos cabides me custaram tanto quanto um almoço no MacDonals. Nasci com o dom de encontrar pechinchas no meio da maior confusão e abençoada com a paciência necessária para fazer peregrinações por dezenas de lojas até encontrar a peça ideal, ao preço ideal. Que isto de auferir um salário com poucos dígitos não permite grande margem de manobra e apela ao espírito criativo. Se para pagar a Gucci teria que me endividar até ao ponto de ser forçada a vender os óvulos, então, a Zara e Mango chegam muito bem. E em dias de celebração (a publicação de um artigo, o elogio de um professor, uma palestra bem-sucedida) sempre podemos celebrar com um pequeno luxo. De modo que a questão está em encontrar mais factores de celebração. Nesta altura do campeonato até a perda de um kilo já me chega para um festejo na casa das peles.
Tudo começou com a mudança para Lisboa. Apesar de não o ter planeado, a verdade é que no caminho de casa para o escritório sou forçada a passar em frente a autênticos antros de perdição para a minha conta bancária. Ora, como não posso mudar nem de casa nem de emprego tenho que viver com isso. Ainda resisti heroicamente durante os primeiros dias, mas na segunda semana decidi hastear a bandeira branca e pedir a rendição às forças demoníacos do consumismo e da vaidade. Que hei-de dizer? Sou uma mulher fácil. Basta que me acenem com uma pequena malinha da Guess e corro mais que o Obikwelo.
Depois veio a viagem a Nova York. Viagem em trabalho, note-se. Mas, novamente de forma totalmente não planeada, eis que chegamos à Grande Maçã em plena época de promoções. Já ouviram falar na Black Friday? Pois é bebé, eu e as meninas em NY no dia do crash dos preços. Quem iria perder a oportunidade de uma botas compradas na 5th Avenue, com 50% de desconto. E o burro sou eu?
Quando já tinha encerrado o plano das despesas sazonais, eis senão quando passo, inteiramente por acaso, numa certa e determinada rua, onde entro, inteiramente por acaso, numa certa e determinada loja e, de novo inteiramente por acaso, me perco no corredor de sapatos (ainda diz a outra que não há coincidências…), e meto os olhos no par de sapatos mais estonteante que alguma vez vira. Pensei logo que se aqueles sapatos fossem férteis queria ter filhos com eles. E pronto, tive que os trazer comigo para casa.
Não sou tonta ao ponto de achar que vivo mais feliz rodeada de tantos enfeites. Mas reconheço que sou suficientemente fútil para, naqueles dias em que acordo com uma nuvem negra a pairar sobre a cabeça, me sentir melhorzinha ao vestir o casaquinho justo de pele e o chapéu feito à mão, que por acaso encontrei numa rua de Bruxelas. Ao puxar o fecho para cima e ajustar as flores do chapéu na minha cabeça sinto-me a princesa mais importante do guarda-vestidos.
Reconheço que cheguei a gastar um salário mínimo numa peça de roupa. Mas, caramba, que culpa tenho eu do salário mínimo ser tão baixo?
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
O DIA DE S. VALENTIM (ou o dia dos meninos com quem ninguém brinca no recreio)
Há dezenas de anos atrás, quando eu usava tranças e meia às riscas até ao joelho, tinha sempre atrás de mim um exército de meninos e meninas que me acompanhavam nas brincadeiras. Sim, eu, que até sou bicho-do-mato, e sabe-se lá porque motivo, era popular no recreio (só na adolescência é que comecei com as crises existenciais que me remeteram para uma dimensão à parte dos restantes mortais). E olhava de soslaio, até com certa impiedade para os meninos que passavam aquela deliciosa meia-hora encostados à parede, mastigando o seu pão com Tulicreme (o antecessor da Nutella) enquanto olhavam para o chão e pontapeavam um pedra ou uma carica. E eu passava por eles a correr, os caracóis todos no ar, rindo bem alto para não poderem evitar ouvir-me, e lançando-lhes aquele olhar misto de comiseração e superioridade. “Vejam, vejam, eu tenho amigos e vocês não”. Quem disse que as crianças são a melhor coisa do mundo esqueceu-se sem dúvida da crueldade infantil.
Crescemos, tornamo-nos mais civilizados, aprendemos a compreender o infortúnio dos outros e a ser gentis para com eles, mas não conseguíamos viver sem uma forma de os fazer sentir mal. Até os adultos precisam do seu recreiozinho, da sua careta na cara dos meninos que não têm com quem brincar. Foi assim que nasceu o Dia dos Namorados. Creio que lhe demos o nome de um santo para tornar esta partida menos cruel, mas no fundo, bem lá no fundo, do que se trata é de lembrar a quem está sozinho que, efectivamente, e perdoem-me o pleonasmo, está sozinho. É claro que celebrar o nosso amor, comprar ursinhos de peluche vermelhos e almofadas em forma de coração cor-de-rosa, e tal e coisa, tudo isso é engraçado, pelo menos para quem acha, como eu, que o kitch é o novo moderno. Sobretudo para quem tem namorados mais expeditos, que passam ao lado dessas coisas fofas e embaraçosas e optam antes por oferece r uma caixa de bombons ou umas calcinhas de renda (claro está que o primeiro presente impede a possibilidade do segundo, sob pena de o homem se ver a braços com um cachalote de lingerie). E se tiverem mesmo muita sorte ainda vos calha um namorado generoso e com heranças de família com um anel de rubi, quem sabe se acompanhado por um concerto no Rivoli, quem se sabe se dentro de um petit gateau que vos parta um dente ao tentar mastigar chocolate e jóia ao mesmo tempo.
Todas estas são coisas boas do Dia dos Namorados. Mas bom, bom mesmo, é atirar isto à cara de quem não tem namorado. Pois há lá coisa melhor do que passar de mão dada com o dito junto à menina sentada sozinha no restaurante, que finge ler a Vogue enquanto lança olhares melosos a tudo o que é homem sem aliança? Melhor mesmo só atirar balões de água aos tais coleguinhas que passavam o recreio sozinhos. Que hei-de dizer? O ser humano tira satisfação pessoal de coisas brutais.
Em tantos anos de vida já passaram por mim Dias dos Namorados de todas as formas e feitios, com todas as companhias, alegrias e tristezas, desde jantares junto à praia com uma amiga até serões sem pipocas e com um filme de terror, em substituição da love story que eu tinha pedido antes de entrarmos no clube de vídeo. Excedem os dedos das mãos e dos pés os Dias de Namorados em que fui eu a tal freak do recreio. Confesso que, em regra, não geri bem a situação. Não porque quisesse necessariamente um namorado. Aliás, durante muitos anos fui opositora acérrima de qualquer troca de fluidos. E mesmo quando compreendi que afinal aquilo era bom e não magoava continuei partidária do slogan da mulher do novo milénio, independente e sem anexos, que fazia o que bem queria e não precisava de homem algum, excepto do canalizador e do electricista. Mas, por muito bem que vivesse comigo nos 364 ou 365 dias do ano, este dia em particular sempre me deitava abaixo. Uma pessoa pode estar bem sozinha, mas ao recordarem-na que está sozinha sente como se todo o planeta tivesse partido para outra galáxia e se tivesse esquecido de si. Nem sei o que transtornava mais: se o facto de não ter ninguém comigo, se o facto de não querer ter ninguém comigo. Nem vou divagar acerca da longínqua hipótese de ninguém querer estar comigo.
Este dia 14 será o primeiro S. Valentim que passo com o actual amor. Não planeio fazer nada de extraordinário (as jóias, essas, estão mesmo fora de questão, embora já tenha avisado 856 vezes que tenho os dedos fininhos). Espero poder ter a oportunidade de passar com ele no recreio e fazer a tal careta aos meninos sozinhos. Afinal, Dia dos Namorados sem fazer alguém sentir triste e só nem seria Dia dos Namorados. Mas espero sobretudo que ele me faça desejar tê-lo por companhia nos próximos 50 S. Valentins.
Crescemos, tornamo-nos mais civilizados, aprendemos a compreender o infortúnio dos outros e a ser gentis para com eles, mas não conseguíamos viver sem uma forma de os fazer sentir mal. Até os adultos precisam do seu recreiozinho, da sua careta na cara dos meninos que não têm com quem brincar. Foi assim que nasceu o Dia dos Namorados. Creio que lhe demos o nome de um santo para tornar esta partida menos cruel, mas no fundo, bem lá no fundo, do que se trata é de lembrar a quem está sozinho que, efectivamente, e perdoem-me o pleonasmo, está sozinho. É claro que celebrar o nosso amor, comprar ursinhos de peluche vermelhos e almofadas em forma de coração cor-de-rosa, e tal e coisa, tudo isso é engraçado, pelo menos para quem acha, como eu, que o kitch é o novo moderno. Sobretudo para quem tem namorados mais expeditos, que passam ao lado dessas coisas fofas e embaraçosas e optam antes por oferece r uma caixa de bombons ou umas calcinhas de renda (claro está que o primeiro presente impede a possibilidade do segundo, sob pena de o homem se ver a braços com um cachalote de lingerie). E se tiverem mesmo muita sorte ainda vos calha um namorado generoso e com heranças de família com um anel de rubi, quem sabe se acompanhado por um concerto no Rivoli, quem se sabe se dentro de um petit gateau que vos parta um dente ao tentar mastigar chocolate e jóia ao mesmo tempo.
Todas estas são coisas boas do Dia dos Namorados. Mas bom, bom mesmo, é atirar isto à cara de quem não tem namorado. Pois há lá coisa melhor do que passar de mão dada com o dito junto à menina sentada sozinha no restaurante, que finge ler a Vogue enquanto lança olhares melosos a tudo o que é homem sem aliança? Melhor mesmo só atirar balões de água aos tais coleguinhas que passavam o recreio sozinhos. Que hei-de dizer? O ser humano tira satisfação pessoal de coisas brutais.
Em tantos anos de vida já passaram por mim Dias dos Namorados de todas as formas e feitios, com todas as companhias, alegrias e tristezas, desde jantares junto à praia com uma amiga até serões sem pipocas e com um filme de terror, em substituição da love story que eu tinha pedido antes de entrarmos no clube de vídeo. Excedem os dedos das mãos e dos pés os Dias de Namorados em que fui eu a tal freak do recreio. Confesso que, em regra, não geri bem a situação. Não porque quisesse necessariamente um namorado. Aliás, durante muitos anos fui opositora acérrima de qualquer troca de fluidos. E mesmo quando compreendi que afinal aquilo era bom e não magoava continuei partidária do slogan da mulher do novo milénio, independente e sem anexos, que fazia o que bem queria e não precisava de homem algum, excepto do canalizador e do electricista. Mas, por muito bem que vivesse comigo nos 364 ou 365 dias do ano, este dia em particular sempre me deitava abaixo. Uma pessoa pode estar bem sozinha, mas ao recordarem-na que está sozinha sente como se todo o planeta tivesse partido para outra galáxia e se tivesse esquecido de si. Nem sei o que transtornava mais: se o facto de não ter ninguém comigo, se o facto de não querer ter ninguém comigo. Nem vou divagar acerca da longínqua hipótese de ninguém querer estar comigo.
Este dia 14 será o primeiro S. Valentim que passo com o actual amor. Não planeio fazer nada de extraordinário (as jóias, essas, estão mesmo fora de questão, embora já tenha avisado 856 vezes que tenho os dedos fininhos). Espero poder ter a oportunidade de passar com ele no recreio e fazer a tal careta aos meninos sozinhos. Afinal, Dia dos Namorados sem fazer alguém sentir triste e só nem seria Dia dos Namorados. Mas espero sobretudo que ele me faça desejar tê-lo por companhia nos próximos 50 S. Valentins.
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Vera Lúcia
domingo, 7 de fevereiro de 2010
A Outra
A Outra é aquela que eu não sou.
A Outra senta-se onde um dia eu me sentei, deita-se onde me deitei e é amada como eu fui. A Outra vive a vida que era para ser minha. A Outra é tudo aquilo que eu fui e que um dia quis ainda ser. E mesmo quando o deixei de querer, continua a ocupar um lugar que sinto que é meu, e não dela.
Durante muito tempo aguentei ressentida a presença da Outra. Nunca a odiei. Não porque esse sentimento esteja completamente afastado da pessoa que sou. Gostava de poder dizer isso, mas estaria a mentir. Mas porque a dor era tão grande que não deixava espaço para o ódio. Há dores assim. Consomem-nos tanto que aniquilam qualquer outra emoção, positiva ou negativa. Simplesmente, doía-me vê-la. Mais ainda, doía-me imaginá-la. Não invejava o sítio que ela ocupava, porque antes já eu lá tinha estado e bem sabia que não era, definitivamente, o meu sítio. Mas havia ali um sentimento de ter sido usurpada, espoliada, expropriada, enfim, qualquer outra forma verbal que exprima a excisão de uma parcela que pensamos, ainda que ilusoriamente, que nos completa e define. Sempre soube que não foi ela a responsável pelos meus males. Não fora ela a rejeitar-me, a magoar-me, a destruir o futuro que tinha já marcado no meu calendário de vida. Mas por algum motivo era tão mais fácil culpá-la a ela do que a ele, e foi isso que eu fiz.
Não que alguma vez tivesse desejado verdadeiramente trocar de lugar com a Outra. Nem quando andei perdida. Muito menos quando me encontrei. Mas o res(sentimento) pela Outra esteve sempre lá. Independentemente de quem ela fosse. A Outra foi loura, morena, mais alta, mais baixa… pouco importa. Não é o ADN que determina quem é a Outra. Tal como o Presidente da República não é uma pessoa mas um cargo, também ela não é uma mulher, mas uma posição.
Nunca deveria ter querido saber coisas acerca dela. Mas há uma parte de mim (de nós) que vibra com o desvendar de pormenores mórbidos. Todo e qualquer detalhe se tornou essencial: como penteava o cabelo, como usava os lenços, qual o timbre de voz. E assim fui guardando na memória vários mínimos pormenores das diversas Outras que se sucediam. No final só havia a Outra, um ente abstracto que me gastava os pensamentos.
Se a minha vida fosse um filme – indiano ou outro qualquer – provavelmente um dia far-lhe-ia uma espera, puxava-lhe os cabelos e, se o realizador fosse o Tarantino, era bem capaz de lhe passar por cima com as rodas do meu jipe. Mas como habitamos na vida real limitei-me a sonhar - ou melhor, a pesadelar – com ela e a seguir-lhe os passos com aquele olhar perdido que durante tanto tempo viveu na minha cara.
Como digo, nunca lhe quis mal. Todos os meus neurónios estão conscientes de que ela é tão culpada quanto eu neste drama de novela das 7. Menos culpada ainda. O silêncio da Outra neste enredo é o silêncio dos inocentes. Dito isto resta explicar porque me batia o coração com a sua passagem e me sentia morrer sempre que alguém a trazia à baila.
A Outra é aquela que eu não sou.
Mas não posso esquecer que também eu acabo por ser a Outra de alguém.
A Outra senta-se onde um dia eu me sentei, deita-se onde me deitei e é amada como eu fui. A Outra vive a vida que era para ser minha. A Outra é tudo aquilo que eu fui e que um dia quis ainda ser. E mesmo quando o deixei de querer, continua a ocupar um lugar que sinto que é meu, e não dela.
Durante muito tempo aguentei ressentida a presença da Outra. Nunca a odiei. Não porque esse sentimento esteja completamente afastado da pessoa que sou. Gostava de poder dizer isso, mas estaria a mentir. Mas porque a dor era tão grande que não deixava espaço para o ódio. Há dores assim. Consomem-nos tanto que aniquilam qualquer outra emoção, positiva ou negativa. Simplesmente, doía-me vê-la. Mais ainda, doía-me imaginá-la. Não invejava o sítio que ela ocupava, porque antes já eu lá tinha estado e bem sabia que não era, definitivamente, o meu sítio. Mas havia ali um sentimento de ter sido usurpada, espoliada, expropriada, enfim, qualquer outra forma verbal que exprima a excisão de uma parcela que pensamos, ainda que ilusoriamente, que nos completa e define. Sempre soube que não foi ela a responsável pelos meus males. Não fora ela a rejeitar-me, a magoar-me, a destruir o futuro que tinha já marcado no meu calendário de vida. Mas por algum motivo era tão mais fácil culpá-la a ela do que a ele, e foi isso que eu fiz.
Não que alguma vez tivesse desejado verdadeiramente trocar de lugar com a Outra. Nem quando andei perdida. Muito menos quando me encontrei. Mas o res(sentimento) pela Outra esteve sempre lá. Independentemente de quem ela fosse. A Outra foi loura, morena, mais alta, mais baixa… pouco importa. Não é o ADN que determina quem é a Outra. Tal como o Presidente da República não é uma pessoa mas um cargo, também ela não é uma mulher, mas uma posição.
Nunca deveria ter querido saber coisas acerca dela. Mas há uma parte de mim (de nós) que vibra com o desvendar de pormenores mórbidos. Todo e qualquer detalhe se tornou essencial: como penteava o cabelo, como usava os lenços, qual o timbre de voz. E assim fui guardando na memória vários mínimos pormenores das diversas Outras que se sucediam. No final só havia a Outra, um ente abstracto que me gastava os pensamentos.
Se a minha vida fosse um filme – indiano ou outro qualquer – provavelmente um dia far-lhe-ia uma espera, puxava-lhe os cabelos e, se o realizador fosse o Tarantino, era bem capaz de lhe passar por cima com as rodas do meu jipe. Mas como habitamos na vida real limitei-me a sonhar - ou melhor, a pesadelar – com ela e a seguir-lhe os passos com aquele olhar perdido que durante tanto tempo viveu na minha cara.
Como digo, nunca lhe quis mal. Todos os meus neurónios estão conscientes de que ela é tão culpada quanto eu neste drama de novela das 7. Menos culpada ainda. O silêncio da Outra neste enredo é o silêncio dos inocentes. Dito isto resta explicar porque me batia o coração com a sua passagem e me sentia morrer sempre que alguém a trazia à baila.
A Outra é aquela que eu não sou.
Mas não posso esquecer que também eu acabo por ser a Outra de alguém.
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Vera Lúcia
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
O representante sexual
Reza a história que por vezes encontramos o amor das nossas vidas, com o qual seríamos felizes para sempre, não fosse o miserável e singelo pormenor de esse suposto amor ser, afinal, um “eunuco” no que respeita à nossa felicidade entre os lençóis.
Passo a explicar.
O homem (faço notar que esta tragédia assola qualquer dos dois sexos, simplesmente, usarei aqui a perspectiva feminina por ser aquela com a qual estou mais familiarizada) surge aos nossos olhos como o príncipe encantado: faz-nos rir sem nos fazer chorar, cozinha para nós e oferece-nos flores, abre-nos a porta do carro e não se baba perante qualquer par de pernas, discute filosofia e politica internacional, aparece sempre limpo e perfumado, cuida dos bíceps e dos abdominais.
E quando pensávamos já ter encontrado o Santo Graal do amor (qual indiana Jones, salteadora do Homem Perfeito Perdido), eis que a dura realidade nos cai em cima (digamos, em cima do dedo gordo do pé para adensar a dor): é que a pele da criatura não faz faísca com a nossa. Somos o casal perfeito em tudo, encaixamos como duas peças de um puzzle mas, afinal, in the end of the day, não há magia.
Esta é uma frustração imensa. É que enquanto andamos à procura sempre nos resta a esperança de ele aparecer. Mas que fazer se depois de o encontrarmos descobrimos que, afinal, o nosso homem é príncipe no resto do mundo, mas um sapo no quarto?
Convenhamos: não resta outra hipótese senão a amizade. O sexo não é tudo. Mas sem ele, num par de dois, nada mais existe. Ou melhor, existem muitas coisas boas – companheirismo, respeito, confiança – mas não existe paixão. Esta é também uma forma de amor, mas que pouco difere do modo como amamos o papá e a mamã. Quando não há química arriscamo-nos a passar a vida ao lado do nosso melhor amigo. Podia ser pior, é certo. Mas também é certo que merecemos melhor do que isso. Defendo aqui, publicamente, o direito inalienável a uma paixão avassaladora.
Depois de segundos imensos a pensar neste complexo problema descobri uma solução que, não sendo perfeita, é, no mínimo, juridicamente inovadora: o representante sexual.
Pois se nos podemos fazer representar na assinatura de um contrato, e em muitos outros actos jurídicos, porque não no acto sexual? Aliás, os menores, os incapazes, os ausentes, todos eles podem ter representantes que supram as suas insuficiências. O que proponho agora é um representante sexual que colmate a lacuna de performance desses homem tão perfeito vestido e tão imperfeito sem calças.
Passo a explicar.
O homem (faço notar que esta tragédia assola qualquer dos dois sexos, simplesmente, usarei aqui a perspectiva feminina por ser aquela com a qual estou mais familiarizada) surge aos nossos olhos como o príncipe encantado: faz-nos rir sem nos fazer chorar, cozinha para nós e oferece-nos flores, abre-nos a porta do carro e não se baba perante qualquer par de pernas, discute filosofia e politica internacional, aparece sempre limpo e perfumado, cuida dos bíceps e dos abdominais.
E quando pensávamos já ter encontrado o Santo Graal do amor (qual indiana Jones, salteadora do Homem Perfeito Perdido), eis que a dura realidade nos cai em cima (digamos, em cima do dedo gordo do pé para adensar a dor): é que a pele da criatura não faz faísca com a nossa. Somos o casal perfeito em tudo, encaixamos como duas peças de um puzzle mas, afinal, in the end of the day, não há magia.
Esta é uma frustração imensa. É que enquanto andamos à procura sempre nos resta a esperança de ele aparecer. Mas que fazer se depois de o encontrarmos descobrimos que, afinal, o nosso homem é príncipe no resto do mundo, mas um sapo no quarto?
Convenhamos: não resta outra hipótese senão a amizade. O sexo não é tudo. Mas sem ele, num par de dois, nada mais existe. Ou melhor, existem muitas coisas boas – companheirismo, respeito, confiança – mas não existe paixão. Esta é também uma forma de amor, mas que pouco difere do modo como amamos o papá e a mamã. Quando não há química arriscamo-nos a passar a vida ao lado do nosso melhor amigo. Podia ser pior, é certo. Mas também é certo que merecemos melhor do que isso. Defendo aqui, publicamente, o direito inalienável a uma paixão avassaladora.
Depois de segundos imensos a pensar neste complexo problema descobri uma solução que, não sendo perfeita, é, no mínimo, juridicamente inovadora: o representante sexual.
Pois se nos podemos fazer representar na assinatura de um contrato, e em muitos outros actos jurídicos, porque não no acto sexual? Aliás, os menores, os incapazes, os ausentes, todos eles podem ter representantes que supram as suas insuficiências. O que proponho agora é um representante sexual que colmate a lacuna de performance desses homem tão perfeito vestido e tão imperfeito sem calças.
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