Há dezenas de anos atrás, quando eu usava tranças e meia às riscas até ao joelho, tinha sempre atrás de mim um exército de meninos e meninas que me acompanhavam nas brincadeiras. Sim, eu, que até sou bicho-do-mato, e sabe-se lá porque motivo, era popular no recreio (só na adolescência é que comecei com as crises existenciais que me remeteram para uma dimensão à parte dos restantes mortais). E olhava de soslaio, até com certa impiedade para os meninos que passavam aquela deliciosa meia-hora encostados à parede, mastigando o seu pão com Tulicreme (o antecessor da Nutella) enquanto olhavam para o chão e pontapeavam um pedra ou uma carica. E eu passava por eles a correr, os caracóis todos no ar, rindo bem alto para não poderem evitar ouvir-me, e lançando-lhes aquele olhar misto de comiseração e superioridade. “Vejam, vejam, eu tenho amigos e vocês não”. Quem disse que as crianças são a melhor coisa do mundo esqueceu-se sem dúvida da crueldade infantil.
Crescemos, tornamo-nos mais civilizados, aprendemos a compreender o infortúnio dos outros e a ser gentis para com eles, mas não conseguíamos viver sem uma forma de os fazer sentir mal. Até os adultos precisam do seu recreiozinho, da sua careta na cara dos meninos que não têm com quem brincar. Foi assim que nasceu o Dia dos Namorados. Creio que lhe demos o nome de um santo para tornar esta partida menos cruel, mas no fundo, bem lá no fundo, do que se trata é de lembrar a quem está sozinho que, efectivamente, e perdoem-me o pleonasmo, está sozinho. É claro que celebrar o nosso amor, comprar ursinhos de peluche vermelhos e almofadas em forma de coração cor-de-rosa, e tal e coisa, tudo isso é engraçado, pelo menos para quem acha, como eu, que o kitch é o novo moderno. Sobretudo para quem tem namorados mais expeditos, que passam ao lado dessas coisas fofas e embaraçosas e optam antes por oferece r uma caixa de bombons ou umas calcinhas de renda (claro está que o primeiro presente impede a possibilidade do segundo, sob pena de o homem se ver a braços com um cachalote de lingerie). E se tiverem mesmo muita sorte ainda vos calha um namorado generoso e com heranças de família com um anel de rubi, quem sabe se acompanhado por um concerto no Rivoli, quem se sabe se dentro de um petit gateau que vos parta um dente ao tentar mastigar chocolate e jóia ao mesmo tempo.
Todas estas são coisas boas do Dia dos Namorados. Mas bom, bom mesmo, é atirar isto à cara de quem não tem namorado. Pois há lá coisa melhor do que passar de mão dada com o dito junto à menina sentada sozinha no restaurante, que finge ler a Vogue enquanto lança olhares melosos a tudo o que é homem sem aliança? Melhor mesmo só atirar balões de água aos tais coleguinhas que passavam o recreio sozinhos. Que hei-de dizer? O ser humano tira satisfação pessoal de coisas brutais.
Em tantos anos de vida já passaram por mim Dias dos Namorados de todas as formas e feitios, com todas as companhias, alegrias e tristezas, desde jantares junto à praia com uma amiga até serões sem pipocas e com um filme de terror, em substituição da love story que eu tinha pedido antes de entrarmos no clube de vídeo. Excedem os dedos das mãos e dos pés os Dias de Namorados em que fui eu a tal freak do recreio. Confesso que, em regra, não geri bem a situação. Não porque quisesse necessariamente um namorado. Aliás, durante muitos anos fui opositora acérrima de qualquer troca de fluidos. E mesmo quando compreendi que afinal aquilo era bom e não magoava continuei partidária do slogan da mulher do novo milénio, independente e sem anexos, que fazia o que bem queria e não precisava de homem algum, excepto do canalizador e do electricista. Mas, por muito bem que vivesse comigo nos 364 ou 365 dias do ano, este dia em particular sempre me deitava abaixo. Uma pessoa pode estar bem sozinha, mas ao recordarem-na que está sozinha sente como se todo o planeta tivesse partido para outra galáxia e se tivesse esquecido de si. Nem sei o que transtornava mais: se o facto de não ter ninguém comigo, se o facto de não querer ter ninguém comigo. Nem vou divagar acerca da longínqua hipótese de ninguém querer estar comigo.
Este dia 14 será o primeiro S. Valentim que passo com o actual amor. Não planeio fazer nada de extraordinário (as jóias, essas, estão mesmo fora de questão, embora já tenha avisado 856 vezes que tenho os dedos fininhos). Espero poder ter a oportunidade de passar com ele no recreio e fazer a tal careta aos meninos sozinhos. Afinal, Dia dos Namorados sem fazer alguém sentir triste e só nem seria Dia dos Namorados. Mas espero sobretudo que ele me faça desejar tê-lo por companhia nos próximos 50 S. Valentins.
Crescemos, tornamo-nos mais civilizados, aprendemos a compreender o infortúnio dos outros e a ser gentis para com eles, mas não conseguíamos viver sem uma forma de os fazer sentir mal. Até os adultos precisam do seu recreiozinho, da sua careta na cara dos meninos que não têm com quem brincar. Foi assim que nasceu o Dia dos Namorados. Creio que lhe demos o nome de um santo para tornar esta partida menos cruel, mas no fundo, bem lá no fundo, do que se trata é de lembrar a quem está sozinho que, efectivamente, e perdoem-me o pleonasmo, está sozinho. É claro que celebrar o nosso amor, comprar ursinhos de peluche vermelhos e almofadas em forma de coração cor-de-rosa, e tal e coisa, tudo isso é engraçado, pelo menos para quem acha, como eu, que o kitch é o novo moderno. Sobretudo para quem tem namorados mais expeditos, que passam ao lado dessas coisas fofas e embaraçosas e optam antes por oferece r uma caixa de bombons ou umas calcinhas de renda (claro está que o primeiro presente impede a possibilidade do segundo, sob pena de o homem se ver a braços com um cachalote de lingerie). E se tiverem mesmo muita sorte ainda vos calha um namorado generoso e com heranças de família com um anel de rubi, quem sabe se acompanhado por um concerto no Rivoli, quem se sabe se dentro de um petit gateau que vos parta um dente ao tentar mastigar chocolate e jóia ao mesmo tempo.
Todas estas são coisas boas do Dia dos Namorados. Mas bom, bom mesmo, é atirar isto à cara de quem não tem namorado. Pois há lá coisa melhor do que passar de mão dada com o dito junto à menina sentada sozinha no restaurante, que finge ler a Vogue enquanto lança olhares melosos a tudo o que é homem sem aliança? Melhor mesmo só atirar balões de água aos tais coleguinhas que passavam o recreio sozinhos. Que hei-de dizer? O ser humano tira satisfação pessoal de coisas brutais.
Em tantos anos de vida já passaram por mim Dias dos Namorados de todas as formas e feitios, com todas as companhias, alegrias e tristezas, desde jantares junto à praia com uma amiga até serões sem pipocas e com um filme de terror, em substituição da love story que eu tinha pedido antes de entrarmos no clube de vídeo. Excedem os dedos das mãos e dos pés os Dias de Namorados em que fui eu a tal freak do recreio. Confesso que, em regra, não geri bem a situação. Não porque quisesse necessariamente um namorado. Aliás, durante muitos anos fui opositora acérrima de qualquer troca de fluidos. E mesmo quando compreendi que afinal aquilo era bom e não magoava continuei partidária do slogan da mulher do novo milénio, independente e sem anexos, que fazia o que bem queria e não precisava de homem algum, excepto do canalizador e do electricista. Mas, por muito bem que vivesse comigo nos 364 ou 365 dias do ano, este dia em particular sempre me deitava abaixo. Uma pessoa pode estar bem sozinha, mas ao recordarem-na que está sozinha sente como se todo o planeta tivesse partido para outra galáxia e se tivesse esquecido de si. Nem sei o que transtornava mais: se o facto de não ter ninguém comigo, se o facto de não querer ter ninguém comigo. Nem vou divagar acerca da longínqua hipótese de ninguém querer estar comigo.
Este dia 14 será o primeiro S. Valentim que passo com o actual amor. Não planeio fazer nada de extraordinário (as jóias, essas, estão mesmo fora de questão, embora já tenha avisado 856 vezes que tenho os dedos fininhos). Espero poder ter a oportunidade de passar com ele no recreio e fazer a tal careta aos meninos sozinhos. Afinal, Dia dos Namorados sem fazer alguém sentir triste e só nem seria Dia dos Namorados. Mas espero sobretudo que ele me faça desejar tê-lo por companhia nos próximos 50 S. Valentins.
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