segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Vera Lúcia Lda., sociedade unipessoal, apresenta falência


Os saldos estão finalmente a terminar. E digo finalmente porque a empresa que se aloja dentro do meu corpo, gerida pelo Tico e pelo Teco, está prestes a apresentar falência. Esta lastimosa situação não se deve a má gestão, não senhora, mas sim a uma conjuntura altamente prejudicial: preços baixos aliados a bens de consumo, absolutamente necessários e absolutamente apetecíveis. Atire a primeira pedra quem nunca esgotou o plafond do cartão de crédito numa tarde de compras!
É certo que para fechar as portas dos meus armários tenho que depositar todo o meu peso do corpo (e quando digo todo, note-se que, falo de um peso pluma… que me caía já um raio em cima se estou a faltar à verdade) na porta, rezando para que não me caia em cima do nariz um vestido ou, pior ainda, um casaco de pêlo bem grosso, que sempre seria capaz de endireitar o arrebitamento do nariz.
Além do mais, o argumento da minha mãe de que eu só tenho um corpo (“e para que precisas tu de tanta roupa? Quantos corpos tens? Bla, bla, bla…) cai por terra quando nos lembramos de que o ano tem 365 dias, de modo que o meu único corpo precisa de ser coberto (nem que seja minimamente) durante dias, e dias, e dias, e dias…já sem contar com as vezes em que tenho que mudar de roupa várias vezes por dia.
E devo ainda acrescentar, em minha defesa, que muitos dos trapos pendurados nos cabides me custaram tanto quanto um almoço no MacDonals. Nasci com o dom de encontrar pechinchas no meio da maior confusão e abençoada com a paciência necessária para fazer peregrinações por dezenas de lojas até encontrar a peça ideal, ao preço ideal. Que isto de auferir um salário com poucos dígitos não permite grande margem de manobra e apela ao espírito criativo. Se para pagar a Gucci teria que me endividar até ao ponto de ser forçada a vender os óvulos, então, a Zara e Mango chegam muito bem. E em dias de celebração (a publicação de um artigo, o elogio de um professor, uma palestra bem-sucedida) sempre podemos celebrar com um pequeno luxo. De modo que a questão está em encontrar mais factores de celebração. Nesta altura do campeonato até a perda de um kilo já me chega para um festejo na casa das peles.
Tudo começou com a mudança para Lisboa. Apesar de não o ter planeado, a verdade é que no caminho de casa para o escritório sou forçada a passar em frente a autênticos antros de perdição para a minha conta bancária. Ora, como não posso mudar nem de casa nem de emprego tenho que viver com isso. Ainda resisti heroicamente durante os primeiros dias, mas na segunda semana decidi hastear a bandeira branca e pedir a rendição às forças demoníacos do consumismo e da vaidade. Que hei-de dizer? Sou uma mulher fácil. Basta que me acenem com uma pequena malinha da Guess e corro mais que o Obikwelo.
Depois veio a viagem a Nova York. Viagem em trabalho, note-se. Mas, novamente de forma totalmente não planeada, eis que chegamos à Grande Maçã em plena época de promoções. Já ouviram falar na Black Friday? Pois é bebé, eu e as meninas em NY no dia do crash dos preços. Quem iria perder a oportunidade de uma botas compradas na 5th Avenue, com 50% de desconto. E o burro sou eu?
Quando já tinha encerrado o plano das despesas sazonais, eis senão quando passo, inteiramente por acaso, numa certa e determinada rua, onde entro, inteiramente por acaso, numa certa e determinada loja e, de novo inteiramente por acaso, me perco no corredor de sapatos (ainda diz a outra que não há coincidências…), e meto os olhos no par de sapatos mais estonteante que alguma vez vira. Pensei logo que se aqueles sapatos fossem férteis queria ter filhos com eles. E pronto, tive que os trazer comigo para casa.
Não sou tonta ao ponto de achar que vivo mais feliz rodeada de tantos enfeites. Mas reconheço que sou suficientemente fútil para, naqueles dias em que acordo com uma nuvem negra a pairar sobre a cabeça, me sentir melhorzinha ao vestir o casaquinho justo de pele e o chapéu feito à mão, que por acaso encontrei numa rua de Bruxelas. Ao puxar o fecho para cima e ajustar as flores do chapéu na minha cabeça sinto-me a princesa mais importante do guarda-vestidos.
Reconheço que cheguei a gastar um salário mínimo numa peça de roupa. Mas, caramba, que culpa tenho eu do salário mínimo ser tão baixo?

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