sábado, 2 de maio de 2009

“Mesa para um, por favor”

Vejam as considerações que a Vera Lúcia partilhou connosco a partir do México!.


Sentada no avião, reflicto sobre esta última semana. Designação oficial: deslocação com vista à participação numa prestigiada conferência internacional. Designação que ficaram para a história: uma semana de férias num dos hot spot do planeta, com tudo pago. Senão: viajei sozinha.
Uma coisa é estar sozinha num sitio entediante e de foro semi-intelectual, como Colónia ou Toulouse. Coisa distinta é estar sozinha na suposta “puta da loucura”.
O primeiro grande desafio está logo no pequeno-almoço do hotel. “Mesa para um, por favor!”. Acreditem, nada despertará mais a simpatia e complacência geral do que uma menina sozinha a empacotar todas as amostras do buffet, enquanto olha em volta e observa. Porque, na verdade, quando se está sozinho, não restam muitas opções senão observar o que se passa. Entre bisbilhotar a vida dos vizinhos de mesa e convidar o empregado a sentar-se comigo, optei pela 1.ª hipótese.
Não é novidade que estar sozinha engorda. Não apenas porque, ao não ter com quem dividir o prato, me sinto quase forçada a meter cá para dentro tudo o que servem. Não apenas porque os doces são substitutos de muitos bens de primeira necessidade, Mas sobretudo porque quando enfiam o meu 1,63m numa quarto duplo com duas camas gigante é óbvio que as senhoras da limpeza deduzirão existe um misteriosa presença masculina a partilhar comigo todo aquele espaço, e teimam em deixar um chocolatinho em cada almofada. Desnecessário dizer que como os dois, para não estragar a ilusão de que ali está mais alguém.
A praia é outro desafio. Quanto nos fartamos de caminhar, entrar e sair da água, ou inventar súbitos interesses na linha do horizonte, só resta mesmo ler revistas femininas. Nunca estive tão a par das últimas modas como desde que me falta interlocutor para as pachorrentas conversas de praia. Posso não ter um homem para me adornar o braço, mas discuto ao mais alto nível as mais trendys tendências da estação, seja para braços, seja para pernas. É certo que as meninas estão mais que aptas para ler filosofia existencialista de Sarte, mas tenho para mim que essa é mais leitura de quarto de banho, enquanto a espreguiçadeira se coaduna melhor com o literatura sacarina, que até pode fazer mal mas pelo menos não engorda a dor da cabeça de meses de trabalho.
Esta viagem de avião, em si mesma, também não agoura coisa boa. É sabido, quem se arrisca a viajar só, se põe a jeito de ter a seu lado sentado um coscuvilheiro, um fanático religioso ou qualquer outras dessas espécies raras que miraculosamente se sentam a mim, sobretudo, juntos dos meus ouvidos. O próprio processo de embarcar e desembarcar pede dois braços fortes e peludos para carregar com as malas e guardá-las enquanto retocamos maquilhagem no quarto de banho.
Pergunto eu: porque é que o mundo está feito para dois? Porque não também para um ou par três? Será que o clássico menage perdeu posição nesta socialidade acassalada? Porque é que os quartos de hotel, as mesas de restaurante e os rins são pensados aos pares? Será dois melhor que um? Será que não devemos inventar o dia dos encalhados, para disputar lugar com o dia dos namorados? Será que desafio a ordem geral das coisas ao pedir para um no restaurante? Não sei. E também não tenho aqui um namorado com quem possa discutir estas questões existenciais.
Muitas da vós, portadoras da voz da razão, estão agora a comentar que a vida sem um homem bem poderá ser mais “agradável” do que a vida com ele, com menos desgostos e dores de cabeça. Mas, afinal, quem disse que eu almejava por uma vida tranquila?
The end
(fecho o PC e levanto-me da minha mesa para um).

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